terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Não adianta mudar a legislação sem modificar o ambiente em que ela é aplicada


PAULO MUANIS DO AMARAL ROCHA

Com o objetivo principal de dar mais celeridade à Justiça, advogados, juízes, promotores e outros técnicos do Direito têm discutido há anos a reforma do Código de Processo Civil (CPC). As mudanças propostas evidenciam que o novo CPC, atualmente em discussão no Senado, não traz em seu bojo muitas novidades. Essencialmente, o que se fez foi transformar em lei os entendimentos expedidos pelos tribunais em seus julgados. Mas nada indica que a Justiça se tornará mais rápida.
Por muitos anos, o CPC de 1973 foi considerado um dos mais brilhantes e completos do mundo. Conhecido como Código de Alfredo Buzaid, o jurista que foi um de seus mentores, é uma cartilha do direito. Contudo, inúmeras alterações o transformaram numa “colcha de retalhos”, o que tornou urgente e necessária a tarefa de modernizá-lo. De todo modo, o cerne do problema não está no código em si, mas nos encarregados de operá-lo. Mesmo com a implantação do novo CPC, o aparelhamento dos tribunais será o mesmo e o número de funcionários não sofrerá alterações.

Para que a celeridade e a pacificação dos conflitos sociais coexistam, é imprescindível a reeducação dos que atuam nos tribunais brasileiros, sejam advogados, promotores, procuradores, juízes ou serventuários. Sem isso, o advogado jamais deixará de buscar seus honorários, inclusive sucumbenciais, em vez de brigar por acordos que possam satisfazer, e com mais agilidade, as partes envolvidas. Os promotores e procuradores não cessarão de valer-se de todos os recursos possíveis, ainda que infundados – vale salientar que o Estado, embora não pague as custas, abarrota o Judiciário.
Atualmente, mais da metade dos processos em trâmite têm como parte a União, os estados, os municípios, autarquias ou empresas públicas ─ e, quando derrotados, a parte vencedora entra numa fila de espera que pode durar 40 anos. Os juízes, imbuídos de mais poder com o novo CPC, continuarão julgando tanto processos penais quanto problemas com aluguel, em vez de especializar-se em áreas específicas, como acontece nos países mais desenvolvidos.
Também em nome da celeridade, o novo CPC valoriza o princípio da colaboração: deve-se buscar a verdade dos fatos. Essa verdade existe?, pergunta-se. Essa espécie de colaboração é possível? Como disse o filósofo escocês David Hume, “a realidade é uma percepção da mente humana”. É da essência do homem não querer perder. Quem procura seus direitos por vias judiciais normalmente está mais interessado na guerra do que na paz – algo que também deveria ser modificado. A colaboração, oriunda da boa fé, não precisa ser exigida por lei. A Humanidade é que deveria transformar em norma esse princípio presente já no Código de Hamurabi, escrito em 1700 a.C..
Para que os tribunais não permaneçam abarrotados, muitas vezes com litígios insignificantes, é necessário reeducar a população. Quando isso acontecer, qualquer código bem feito se mostrará eficaz. Da maneira como os trabalhos vêm sendo conduzidos, o novo CPC não dará celeridade à Justiça. Sem diminuir o número de litígios e a quantidade de petições, a lentidão continuará exasperante. Existem fóruns, inclusive digitais, que demoram mais de um ano apenas para agendar uma audiência de conciliação. A mudança do Código, por si só, não tornará nada mais célere. O que também precisa mudar é o ambiente em que as leis são aplicadas.

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