Por Carlos Chagas
Felipe V era rei da França e a Santa Sé, funcionando longe de Roma, em Avignon, oferecia péssimos exemplos para a cristandade. Os cardeais viviam em banquetes, festas, até orgias, sem eleger o novo Papa, já que o velho tinha morrido. Depois de dois anos naquele clima feliz, os príncipes da Igreja foram convocados pelo monarca, que mandou seus soldados levarem todos para uma pequena capela das redondezas. Lá, o teto foi retirado e as portas e janelas, muradas. Ficaram ao sol, ao sereno, à chuva e à neve. Uma vez por dia alguns pães eram arremessados para o interior, mas água, os cardeais teriam que beber do céu. Em poucos dias, diz a lenda, o novo papa estava escolhido...
A historinha se conta a propósito da reforma política. Há quantas décadas o Congresso se debruça sobre as mais do que necessárias mudanças no sistema político, partidário e eleitoral? Projetos são apresentados e discutidos, votados ora por senadores, ora por deputados, mas jamais se transformam em lei. Volta tudo atrás, de tempos em tempos. Isso até o povo sair às ruas.
A partir das manifestações o Congresso transmudou-se. Em poucas horas rejeitou a PEC-37. Renan Calheiros anuncia votação imediata no Senado, em dez dias, de projetos concedendo bilhetes gratuitos nos transportes públicos para estudantes, aumento de penas para traficantes, supressão de benefícios para autores de crimes contra a vida, ampliação da ficha-limpa para funcionários públicos, punição além da aposentadoria para juízes e integrantes do ministério público condenados na Justiça, punição para quem não cumprir a lei de acesso a informações, redução do número de ministérios e muito mais coisa. Na Câmara, Henrique Eduardo Alves promete colocar a reforma política em votação conforme projeto até então engavetado.
Pressionada pela lógica e o bom-senso, além de juristas e políticos, a presidente Dilma voltou atrás na esdrúxula proposta de convocação de uma Assembléia Constituinte exclusiva, e parece em vias de trocar o plebiscito por um referendo. Mais importante do que saber quem a fez desistir dessas fantasias será especular sobre quem a influenciou. A resposta é óbvia: o Lula.
Com todo o respeito, o Congresso, agente único da reforma política, apesar de anunciar que vai recuperar o tempo perdido, deveria ser cercado outra vez pela massa que hoje ocupa as ruas. Porque pode ter sido apenas um soluço essa disposição dos presidentes da Câmara e do Senado. Cessando por hipótese a voz das ruas, logo o Congresso retornaria à placidez de sempre. Sendo assim, que tal nas próximas semanas deixar Suas Excelências entregues apenas aos sanduíches de mortadela produzidos em suas cozinhas?
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