Sete anos depois de deixar Palocci em maus lençóis, Francenildo se prepara para concluir ensino médio
Aos 32 anos, ele é aluno de um curso de educação de jovens e adultos
Reportagem de André Coelho, do jornal O Globo
BRASÍLIA – Sete anos depois de dar o testemunho que derrubou o então todo-poderoso ministro da Fazenda, Antonio Palocci, o caseiro Francenildo dos Santos Costa está prestes a terminar o ensino médio.
Aos 32 anos, ele é aluno de um curso de educação de jovens e adultos, o antigo supletivo, numa escola pública do Distrito Federal. Nos próximos dias, fará as provas finais de português e matemática. O ex-caseiro conta que a decisão de voltar à escola foi tomada no auge do escândalo que derrubou Palocci:
– Para calar a boca de muita gente que ficava falando que eu era um simples caseiro. E também porque, hoje em dia, para ter um serviço bom, você tem que ter estudo. Se não, você não tem nada. Até para ser gari tem que ter, pelo menos, o ensino médio completo. E, assim mesmo, é penado, trabalha que só.
Se conseguir as notas que precisa, Francenildo receberá o certificado de conclusão do ensino médio antes que a Justiça termine de julgar o processo de indenização que ele move contra a Caixa Econômica Federal por quebra de sigilo bancário.
Francenildo vive com a mulher e dois filhos numa residência alugada, a 15 quilômetros da região central de Brasília. Trabalha como diarista, fazendo serviços de jardinagem, limpeza e pequenos reparos em duas casas no Lago Sul, o mesmo bairro onde ficava a mansão frequentada por Palocci.
A mulher de Francenildo é copeira numa embaixada. A filha caçula está com 2 anos e 5 meses.
– Sete anos depois, é só coisa boa: minha filha nasceu, começou a aparecer trabalho e estou estudando. Se não fosse o estudo, eu não tinha tirado minha carteira de motorista e estava pegando ônibus lotado até hoje.
Francenildo conta que, tão logo tirou a habilitação, comprou um carro Gol, ano 1996, por 8.500 reais parcelados.
O caso Palocci deixou marcas. Em 2006, do dia para a noite, o caseiro virou notícia em todo o país, ao afirmar que vira Palocci na mansão do Lago Sul, local de encontros de negócios, onde o então ministro negava ter ido.
Numa tentativa de desmascarar a testemunha, o sigilo da conta pessoal de Francenildo na Caixa foi violado a pretexto de mostrar que o caseiro teria recebido dinheiro da oposição para acusar o ministro. Mas o depósito fora feito pelo pai biológico do caseiro, um empresário de transporte coletivo em Teresina.
Francenildo diz que seus professores e colegas de turma conhecem a história e que, até hoje, ouve elogios, parabéns, mas também piadas de mau gosto. A exposição pública o deixou ressabiado.
Tanto que ele se recusou a dar entrevista na escola onde estuda ou em casa. Justificou que não queria chamar a atenção dos colegas nem dos vizinhos e preferiu o estacionamento de um posto de gasolina.
Nascido no Piauí, o caseiro conta que veio para Brasília aos 16 anos, semianalfabeto. Antes que a mansão do Lago Sul fosse alugada por auxiliares de Palocci, o imóvel abrigava um escritório de advocacia e Francenildo diz que tinha dificuldades para buscar pastas no arquivo, já que só reconhecia letras e não palavras.
Foi aí que começou a estudar: primeiro, numa escola do Lago Sul e, mais tarde, numa região administrativa nos arredores de Brasília.
Se ganhar a indenização da Caixa, vai doar a instituições de caridade
O maior incentivo para retomar os estudos partiu do advogado de Francenildo, Wlicio Chaveiro Nascimento:
– Lembro-me de virar para ele e falar: “Não espere nada de ninguém, esqueça qualquer promessa e até a indenização, que vai demorar. Cuide da sua vida, vá estudar, porque a única ferramenta que uma pessoa sem herança gorda tem na vida é a educação. Daqui a dez anos, vão perguntar: Cadê o caseiro? E nós vamos responder: Caseiro, não: o doutor ou o técnico está aqui”, diz Wlicio.
Nos últimos anos, o advogado deixou a profissão de lado e passou a atuar no ramo de novas tecnologias para a construção civil. Wlicio quer que Francenildo faça um curso técnico.
Em 2010, a Justiça Federal de Brasília condenou a Caixa, em primeira instância, a indenizar o caseiro em 500 mil reais por danos morais. O banco e o próprio caseiro recorreram. A Caixa, querendo reverter a decisão. Francenildo, aumentar o valor da indenização. O caso aguarda julgamento no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília.
O advogado Wlicio diz que o objetivo de aumentar o valor da indenização é punitivo, para evitar que casos semelhantes se repitam. Segundo ele, o recurso ao TRF-1 diz que qualquer valor acima de 500 mil reais que venha a ser decidido pela Justiça pode ser automaticamente destinado a uma instituição de caridade.
Enquanto espera pelo julgamento do recurso, Francenildo diz que a história toda teve um lado bom e um ruim:
– Fizeram essa sacanagem de invadir a minha conta pessoal. Sai muita propaganda de que banco é seguro, que você pode confiar. Para mim, isso não resolveu nada, liberaram geral. O ponto bom é que eu fui lá (no Congresso) e falei a verdade.
Procurada por O Globo, a Caixa Econômica Federal informou que aguardará a decisão da Justiça e se pronunciará somente no processo.
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