Atribuição constitucional dos estados, a segurança pública é um
pesadelo dos brasileiros há décadas. No entanto, sucessivos governos
federais preferem manter distância do problema, deixando o peso apenas
sobre os ombros dos governadores. Em agosto de 2007, o então presidente
Luiz Inácio Lula da Silva ensaiou mudar esse histórico ao lançar o
Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci), com quase R$ 7
bilhões disponíveis para estados e municípios desenvolverem projetos de
combate à criminalidade.
O programa era tão ambicioso que era chamado de PAC da Segurança. Sete anos depois, apenas R$ 1,2 bilhão foi repassado, segundo dados do Portal da Transparência. A maior parte dos recursos se perdeu na falta de projetos regionais consistentes e nos cortes de orçamento que enfraqueceram o programa no governo de Dilma Rousseff (PT), sem que ele concretizasse a sua principal meta: reduzir pela metade os crimes de morte no Brasil a partir de 2008.
Entre 2008 e 2012, a taxa de homicídios no Brasil subiu 7%, de 24,2 para 25,8 por 100 mil habitantes. Pelos padrões internacionais, mais de 10 por 100 mil habitantes já é considerado um quadro de violência epidêmica. Em números absolutos, o registro de assassinatos no Brasil subiu quase 10% entre 2008 e 2012, de 45.885 para 50.081, de acordo com o mais recente anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Não é difícil entender por que, a cada eleição, a segurança figura entre os serviços públicos com pior avaliação dos brasileiros. Numa pesquisa feita pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas em seis regiões metropolitanas, publicada com exclusividade pelo GLOBO em maio, 80% dos entrevistados se disseram insatisfeitos com o combate à violência. Em sondagens do Datafolha e do Ibope, a segurança divide com a saúde a lista de maiores preocupações dos eleitores.
Embora a gestão das polícias civil e militar seja de responsabilidade dos governadores, especialistas em segurança dizem que é preciso envolver o governo federal para mudar o quadro. Do total de despesas da União, apenas 0,4% é direcionada para segurança pública. Esse percentual, apurado em 2012, fica bem abaixo do que é gasto pelo governo central de outros países com desafios similares.
Na Colômbia, essa proporção chega a 3,3%. No México, a 6,2%. A comparação foi feita por uma rede de pesquisadores liderada pelos institutos Sou da Paz e Igarapé num documento com propostas para a segurança que foi entregue às campanhas dos candidatos à Presidência. O grupo defende, inclusive, a criação do Ministério da Segurança Pública.
- Um ministério ajudaria a coordenar melhor as ações de segurança com as de justiça criminal, como a gestão dos presídios. Como vivemos uma situação de emergência, são necessários o investimento e o comprometimento do governo federal – diz Ilona Szabó de Carvalho, diretora do Instituto Igarapé, centro de estudos do tema no Rio. – Como o déficit é enorme, o governo usa a prerrogativa constitucional de que segurança é responsabilidade dos estados para evitar se responsabilizar pela redução da violência que assola o país. O Brasil não será um país desenvolvido sem resolver isso.
Enquanto o governo federal gasta pouco, a segurança pesa nas contas dos governos estaduais. Alguns chegam a direcionar mais de 10% de seus gastos ao combate à criminalidade. É o caso de Alagoas, Paraíba e Bahia. No entanto, a maior parte desse dinheiro vai para custeio e pagamento de salários. Um terço é gasto com pensionistas. Dessa forma, a maioria dos estados depende de repasses federais para fazer investimentos em equipamentos e instalações.
Para piorar, a polícia brasileira é uma das mais ineficientes do mundo. Apenas 8% dos homicídios são esclarecidos. Nos Estados Unidos, essa taxa sobe para 64%. E passa dos 95% em países como Alemanha e Japão. Contribui para esse contraste a falta de estrutura de delegacias e institutos de perícia. Numa pesquisa realizada pelo Ministério da Justiça em 2012, só 17 estados tinham informações sobre a produção de exames balísticos.
A média de atendimento dos pedidos era de 44,4%, fruto da baixa qualidade de equipamentos e da falta de pessoal: apenas 14% dos peritos do país estavam nessa função. Em todo o país, os pesquisadores encontraram 22 mil pedidos de laudos que não foram produzidos. Na prática, inquéritos que terminaram sem provas para além de testemunhos, dificultando a condenação.
Outro problema é a falta de informação e de parâmetros de avaliação das políticas de segurança nos estados. Desde 1995, o governo já está na sua quarta tentativa de fazer funcionar o compartilhamento de dados criminais, através do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e Sobre Drogas (Sinesp). O Mapa da Violência, publicação anual muito utilizada por pesquisadores, usa como base informações de mortalidade do Ministério da Saúde.
A falta de subsídios para o planejamento do Pronasci foi o que levou o governo Dilma a esvaziá-lo. Em junho de 2012, um novo programa, o Brasil Mais Seguro, foi lançado para financiar a modernização e qualificação das polícias e do sistema de justiça criminal, com o foco em melhoria da investigação de homicídios, policiamento ostensivo e controle de armas. Mas os resultados demoram a aparecer.
Para o cientista político Guarcy Mingardi, especialista do Fórum de Segurança Pública que integrou a equipe do Ministério da Justiça no governo Lula, o Pronasci significou um passo à frente na participação do governo federal na segurança, mas Dilma não deu o seguinte.
- A ação prática, nas ruas, é realmente dos estados. O governo federal pode incentivar, mas não pode controlar a taxa de homicídios. O lado bom do Pronasci era o dinheiro para ações sociais, como os de prevenção com jovens, mas ninguém consegue controlar 94 ações em todo o Brasil. Acabou perdendo o foco.
A secretária nacional de Segurança Pública, Regina Miki, não deu entrevista. Em nota, informou apenas que, a partir de 2011, incorporou todos os princípios e diretrizes do Pronasci à política do governo federal para segurança pública. “Isso significa que o conceito do Pronasci deixou de ser restrito a um dos programas da União e passou a direcionar todas as ações”.
Do O Globo
O programa era tão ambicioso que era chamado de PAC da Segurança. Sete anos depois, apenas R$ 1,2 bilhão foi repassado, segundo dados do Portal da Transparência. A maior parte dos recursos se perdeu na falta de projetos regionais consistentes e nos cortes de orçamento que enfraqueceram o programa no governo de Dilma Rousseff (PT), sem que ele concretizasse a sua principal meta: reduzir pela metade os crimes de morte no Brasil a partir de 2008.
Entre 2008 e 2012, a taxa de homicídios no Brasil subiu 7%, de 24,2 para 25,8 por 100 mil habitantes. Pelos padrões internacionais, mais de 10 por 100 mil habitantes já é considerado um quadro de violência epidêmica. Em números absolutos, o registro de assassinatos no Brasil subiu quase 10% entre 2008 e 2012, de 45.885 para 50.081, de acordo com o mais recente anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Não é difícil entender por que, a cada eleição, a segurança figura entre os serviços públicos com pior avaliação dos brasileiros. Numa pesquisa feita pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas em seis regiões metropolitanas, publicada com exclusividade pelo GLOBO em maio, 80% dos entrevistados se disseram insatisfeitos com o combate à violência. Em sondagens do Datafolha e do Ibope, a segurança divide com a saúde a lista de maiores preocupações dos eleitores.
Embora a gestão das polícias civil e militar seja de responsabilidade dos governadores, especialistas em segurança dizem que é preciso envolver o governo federal para mudar o quadro. Do total de despesas da União, apenas 0,4% é direcionada para segurança pública. Esse percentual, apurado em 2012, fica bem abaixo do que é gasto pelo governo central de outros países com desafios similares.
Na Colômbia, essa proporção chega a 3,3%. No México, a 6,2%. A comparação foi feita por uma rede de pesquisadores liderada pelos institutos Sou da Paz e Igarapé num documento com propostas para a segurança que foi entregue às campanhas dos candidatos à Presidência. O grupo defende, inclusive, a criação do Ministério da Segurança Pública.
- Um ministério ajudaria a coordenar melhor as ações de segurança com as de justiça criminal, como a gestão dos presídios. Como vivemos uma situação de emergência, são necessários o investimento e o comprometimento do governo federal – diz Ilona Szabó de Carvalho, diretora do Instituto Igarapé, centro de estudos do tema no Rio. – Como o déficit é enorme, o governo usa a prerrogativa constitucional de que segurança é responsabilidade dos estados para evitar se responsabilizar pela redução da violência que assola o país. O Brasil não será um país desenvolvido sem resolver isso.
Enquanto o governo federal gasta pouco, a segurança pesa nas contas dos governos estaduais. Alguns chegam a direcionar mais de 10% de seus gastos ao combate à criminalidade. É o caso de Alagoas, Paraíba e Bahia. No entanto, a maior parte desse dinheiro vai para custeio e pagamento de salários. Um terço é gasto com pensionistas. Dessa forma, a maioria dos estados depende de repasses federais para fazer investimentos em equipamentos e instalações.
Para piorar, a polícia brasileira é uma das mais ineficientes do mundo. Apenas 8% dos homicídios são esclarecidos. Nos Estados Unidos, essa taxa sobe para 64%. E passa dos 95% em países como Alemanha e Japão. Contribui para esse contraste a falta de estrutura de delegacias e institutos de perícia. Numa pesquisa realizada pelo Ministério da Justiça em 2012, só 17 estados tinham informações sobre a produção de exames balísticos.
A média de atendimento dos pedidos era de 44,4%, fruto da baixa qualidade de equipamentos e da falta de pessoal: apenas 14% dos peritos do país estavam nessa função. Em todo o país, os pesquisadores encontraram 22 mil pedidos de laudos que não foram produzidos. Na prática, inquéritos que terminaram sem provas para além de testemunhos, dificultando a condenação.
Outro problema é a falta de informação e de parâmetros de avaliação das políticas de segurança nos estados. Desde 1995, o governo já está na sua quarta tentativa de fazer funcionar o compartilhamento de dados criminais, através do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública, Prisionais e Sobre Drogas (Sinesp). O Mapa da Violência, publicação anual muito utilizada por pesquisadores, usa como base informações de mortalidade do Ministério da Saúde.
A falta de subsídios para o planejamento do Pronasci foi o que levou o governo Dilma a esvaziá-lo. Em junho de 2012, um novo programa, o Brasil Mais Seguro, foi lançado para financiar a modernização e qualificação das polícias e do sistema de justiça criminal, com o foco em melhoria da investigação de homicídios, policiamento ostensivo e controle de armas. Mas os resultados demoram a aparecer.
Para o cientista político Guarcy Mingardi, especialista do Fórum de Segurança Pública que integrou a equipe do Ministério da Justiça no governo Lula, o Pronasci significou um passo à frente na participação do governo federal na segurança, mas Dilma não deu o seguinte.
- A ação prática, nas ruas, é realmente dos estados. O governo federal pode incentivar, mas não pode controlar a taxa de homicídios. O lado bom do Pronasci era o dinheiro para ações sociais, como os de prevenção com jovens, mas ninguém consegue controlar 94 ações em todo o Brasil. Acabou perdendo o foco.
A secretária nacional de Segurança Pública, Regina Miki, não deu entrevista. Em nota, informou apenas que, a partir de 2011, incorporou todos os princípios e diretrizes do Pronasci à política do governo federal para segurança pública. “Isso significa que o conceito do Pronasci deixou de ser restrito a um dos programas da União e passou a direcionar todas as ações”.
Do O Globo
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