quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Atirar primeiro, pensar depois

Carlos Brickmann

O jornalista e escritor Lira Neto encontrou-se recentemente com o ex-presidente Lula, e contou o fato no Facebook. Foi o suficiente para que o atacassem pesadamente, como se o fato de um jornalista conversar com um ex-presidente fosse alto terrível, vergonhoso, comprometedor. Não, não é: é obrigação profissional. Mais do que isso, é também uma oportunidade de reforçar seu estoque de informações, de reavaliar impressões, de ouvir novas versões para acontecimentos que já conhece, mas que serão enriquecidos por outra visão.
Lira Neto conta que votou quatro vezes em Lula. E que, se tiver oportunidade de conversar com Fernando Henrique, ou José Sarney, ou Fernando Collor, não hesitará um instante em aceitar. Como jornalista, sua função é recolher informações e transmiti-las. Quem melhor para fornecer essas informações do que quem participou, no mais alto escalão, dos eventos que levaram a elas?
O problema é que a discussão política se degenerou de tal maneira, com o clima futebolístico de Fla x Flu, do nós contra eles, que isso acabou levando muitos jornalistas a raciocinar com o fígado. Como ensinava Ulysses Guimarães, o pensamento não é função hepática. Mas foi assim que acusaram repórteres de primeiro nível de espionagem, porque conversaram com diplomatas americanos (justo americanos, que horror!!!) E é assim que tentam desumanizar os adversários, insultando-os, chamando-os de animais – “sabujos, cães de guarda” – porque buscam informações em todas as fontes, em vez de limitar-se àquelas que os agressores julgam politicamente convenientes.
Churchill, duro anticomunista, foi questionado certa vez por um repórter sobre sua aliança com a União Soviética, durante a Segunda Guerra Mundial. Respondeu com o brilho habitual: “Se os nazistas declararem guerra ao inferno, não terei dúvidas em procurar o Sr. Demônio para aliar-nos a ele”. Para vencer os nazistas, a Grã-Bretanha precisava de aliados. Os jornalistas, para levar informações a seu público, precisam de fontes – mesmo que a fonte seja o Sr. Demônio em pessoa.
É interessante, aliás, acompanhar a evolução dos fatos e das alianças. Aqueles que odiavam Sarney, Maluf, Collor e Renan hoje convivem com eles na mesma base política. Os que toleravam Ulysses, Tancredo, Quércia e Montoro hoje odeiam seus herdeiros Serra, Aécio, Aloysio Nunes e Fleury. Quércia e Requião eram adversários ferozes, a ponto de Quércia insultar Requião até nos apelidos que lhe dava; hoje, seguidores ferrenhos de Quércia declaram apoio a Requião. Se é assim na política, que ao que se imagina exige compromissos programáticos, o jornalismo vai mais longe, já que seu compromisso é com o leitor, com o telespectador, com o ouvinte, apenas e exclusivamente com o consumidor de informação, não com um programa partidário, por melhor que o julgue.
A infiltração do partidarismo no jornalismo político acabou criando uma deformação que precisa ser rapidamente corrigida. A propaganda lida com a emoção (e é a emoção, aliás, a grande captadora de votos). O jornalismo deve lidar com a razão, com os fatos. As perguntas que se devem fazer, diante de uma reportagem, são duas: primeiro, se aquilo é verdade; segundo, se é relevante.
O restante é propaganda. É importantíssima, essencial. Mas não é jornalismo.

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