O Estado de S.Paulo
Aflora em toda a extensão da entrevista a obsessão pelo confronto maniqueísta com uma "elite" retrógrada, inominada, a qual acusa de conspirar contra todas as fabulosas conquistas dos governos petistas. É o velho "nós" contra "eles".
É interessante a visão de Lula dos problemas de comunicação de que, entende, padece o governo Dilma. Problemas esses veladamente atribuídos em parte à incompetência do próprio governo, mas agravados pelo comportamento de uma mídia que tem mal-intencionada "predisposição ao negativismo".
Lula cultiva, como se sabe, uma espetacular imagem de si próprio e do modo petista de governar. Mas não se conforma com o fato de essa visão não ser compartilhada pela mídia. Mas tem remédio para isso. Não adianta reclamar que "(...) 'a Globo não me dá espaço'. A gente tem outros instrumentos para dizer o que quer". Como assim? "Tenho dito com a Dilma que não tem de dar ouvidos a quem fala que gastamos muito com publicidade. Eu acho que, se foi anunciado um programa hoje e no segundo dia não houve repercussão, vai em rede nacional. O governo tem de dizer que a mídia não divulgou, porque se não disser, o silêncio se fecha sobre o fato. Dois dias de tolerância e coloca um ministro em rede nacional, não precisa ir a presidenta todo dia".
Se dependesse de Lula, portanto, entre outras providências "democratizantes", dia sim e outro também as redes de televisão, que são o que interessa, abririam espaço para autoridades do governo revelarem todas aquelas realizações importantíssimas para as quais os jornalistas não dão a menor bola. O que significa que, pelo menos enquanto o lulopetismo não conseguir impor seu ambicionado "controle social da mídia", haja verba para publicidade oficial.
São inegáveis, principalmente no campo social, importantes conquistas de 2003 para cá. Mas Lula não deixa por menos do que o delírio absoluto: "Tudo que você imaginar, o Brasil está entre os cinco (melhores/maiores, supõe-se) do mundo". Isso apesar de que "lá fora já não se fala bem da gente". Na vida real, nosso Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), segundo a ONU, é o 84.º no ranking mundial. Em educação, ficamos também no fim da fila.
No capítulo de sua inestimável contribuição para melhorar o mundo, Lula recorreu a um péssimo exemplo: "O Mercosul, quando cheguei à Presidência, não valia nada". Hoje, dominado pelos bolivarianos, vale menos ainda, enquanto a Aliança do Pacífico caminha a passos largos para se tornar o maior polo de atração de investimentos da América Latina.
Lula tem uma receita de "faça o que eu digo..." para avançar no desenvolvimento econômico: "O que o governo tem de garantir é o aumento da poupança interna (não explicou como conciliar isso com o forte estímulo ao consumo), mais investimento do Estado (preferiu ignorar a clamorosa ineficácia na execução dos PACs), mais junção entre empresa privada e pública (desconsiderou o arraigado preconceito petista contra a iniciativa particular), mais capital externo para investir no setor produtivo" (omitiu as dificuldades criadas pelo Mercosul a acordos comerciais bilaterais, sem falar na crescente desconfiança dos investidores internacionais sobre as regras do jogo por aqui).
Lula fala ainda, como não poderia deixar de ser, sobre política. Garante que o PT "é um partido que o próprio povo dirige". Apesar disso, "a gente não pode permitir que meia dúzia de pessoas deformem esse partido". E "o povo"?
Agora, admite Lula, o negócio é campanha eleitoral. Mas confessa: "No primeiro turno todo mundo fala a mesma coisa, promete tudo para o povo".
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