quinta-feira, 23 de outubro de 2014

A hora da onça beber água


Do Arnaldo Jabor

Dilma Rousseff: seu duro passado de militância e luta lhe deixou um viés de rancor e vingança, justificáveis. Ela foi uma típica “tarefeira” da VAR-Palmares e hoje, como tarefeira do PT, ela quer realizar o sonho de sua juventude. Por isso, quer estatizar o que puder na economia, restos de sua formação… (eu ia dizer “leninista”, mas é “brizolista”).
Seus olhos fuzilam certezas sobre como converter (ou subverter) a pátria amada. Petistas e brizolistas acham que democracia é “papo para enrolar as massas”, como já declarou um professor emérito da USP; ela idealiza o antigo “proletariado” e despreza a classe média “fascista”, como acha outra emérita professora.
Ela desconfia dos capitalistas e empresários, ela quer se manter no poder e virar o PT num PRI mexicano; ela finge ignorar a queda do muro de Berlim, o fim da guerra fria, ela ama o Lula, seu operário mágico que encarnou o populismo “revolucionário”.
Conheci muitas “dilmas” na minha juventude. As “dilmas” eram voluntariosas, com uma coragem irresponsável diante da muralha da ditadura. Professavam uma liberdade mais grave do que os hippies da época; era uma liberdade dolorosa, perigosa, sacrificial, suicida, sem prazer, liberdade e luta. Até respeitável.
Mas, para as “dilmas” e “dirceus” do passado, a democracia era uma instituição “burguesa”. Ela se considerava e se acha ainda “membro” (ou “membra”?) de uma minoria que está “por dentro” da verdade, da chamada “linha justa” que planejava um outro tipo de “liberdade” (Lenin: “É verdade que a liberdade é preciosa; tão preciosa que precisa ser racionada cuidadosamente” ).
Ela se julgava e se julga superior – como outros e outras que conheci (inclusive eu mesmo – oh, delícia de ser melhor que todos; oh, que dor eu senti ao perder essa certeza…). Nós éramos os fiéis de uma “fé cientifica”, uma espécie de religião da razão que salvaria o mundo pelo puro desejo político – éramos o “sal da terra”, os “sujeitos da história”. Toda a luta progressista de hoje se trava entre a esquerda que amadureceu e ficou socialdemocrata e a esquerda que continua na ilusão de 63. A velha esquerda brasileira existe como nostalgia de uma esquerda que desapareceu.
Dilma foi executiva da comissão de frente que organizou a aliança de Lula com a liderança sindicalista pelega e com a direita mais vergonhosa do País, liderada por Sarney et caterva. Como era “trabalhadeira”, Lula se impressionava com ela (ele que odeia o batente) e transformou-a em um “poste” que se revelou persistente no erro, com a típica burrice dos teimosos.
E aí ela começou a governar com um medidas e táticas pretensamente “socialistas” em um país capitalista. Dá em bolivarianismo, esse terror contra o povo da Venezuela.
A “claque” sindicalista que subiu ao poder nunca desistiu de seus planos; suas mentes são programadas para repetir as mesmas táticas. A esquerda velha continua fixada na idéia de “unidade”, de “centro”, de Estado-pai, ignorando a intrincada sociedade com bilhões de desejos e contradições.
Muitos riquinhos e mauricinhos hoje dizem que votam na Dilma porque ela seria “contra a pobreza”. Não sabem de nada, tinham 10 anos quando FHC fez o Plano Real contra a vontade do PT e seus aliados. Hoje, esses mauricinhos se dão ao luxo de se sentirem de “esquerda”, antes de irem para a balada.
São absolutamente ignorantes sobre política e acham o PT um partido de “esquerda”, quando é claramente de “direita” (“É a economia, estúpidos!” – James Carville, assessor do Clinton contra Bush).
O povão do Bolsa Família não pode entender isso, mas esses babacas que estudaram deviam ser menos primitivos. Os petistas dão graças a Deus que muitos de seus eleitores não sabem ler. Por exemplo, eles não têm ideia do que seja o escândalo da Petrobrás e do aparelhamento do Estado cleptomaníaco que foi montado. Não entenderam nem o mensalão, pois, como disse o Lula, “povo pensa que dossiê é doce de batata”. Votarão no escuro de suas vidas. Como se explica isso?
Resposta: o País tem um movimento “regressista” vocacional. O verdadeiro Brasil é boçal, salvacionista, para gáudio dos seus exploradores. E o PT aproveita.
A crescente complexidade da situação mundial na economia e na política os faz desejar um simplismo voluntarista que rima bem com o fundamentalismo islâmico ou com a boçalidade totalitária dos fascistas: “complexidade é frescura, o negócio é radicalizar e unificar, controlar, furar a barreira do complexo com o milagre simplista” (Lenin: “Qualquer cozinheiro devia ser capaz de governar um país”).
O Plano Real e uma série de medidas de modernização que abriram caminho para a economia mundial favorecer-nos são tratados como se fossem uma política do governo atual, que só fez aumentar despesas públicas e inventar delírios desenvolvimentistas virtuais. Não houve um lampejo de reconhecimento pelo país que FHC deixou pronto para decolar e que foi desfeito (Stalin: “A gratidão é um sentimento de cachorros…”).
Nesta eleição, não se trata apenas de substituir um nome por outro. Não. O grave é que tramam uma mudança radical na estrutura do governo, uma mutação dentro do Estado democrático. Querem fazer um capitalismo de Estado, melhor dizendo, um “patrimonialismo de Estado”. Para isso, topam tudo: calúnias, números mentirosos, alianças com a direita mais maléfica.
Não esqueçamos que o PT não assinou a Constituição de 88, combateu a Lei de Responsabilidade Fiscal, foi contra o Plano Real para depois roubá-lo como se fosse obra do Lula. Alardeiam coisas novas que “vão” fazer, se eleitos de novo mas, pergunta-se: por que não fizeram nada durante doze anos?
É isso aí, bichos… Se Dilma for eleita, teremos o início de um bolivarianismo “cordial”.
Arnaldo Jabor é jornalista e cineasta.

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