segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Benzedeiras resistem ao tempo e lutam para manter tradição viva no Paraná


Cada vez mais raras de se encontrar, as “intermediárias de Deus” ainda curam males do corpo e do espírito

Rodolfo Luis Kowalski
 
Joanita Good Barausse, uma das 61 benzedeiras na Grande Curitiba: “Esse é meu dom e é uma missão que Deus me confiou” (foto: Franklin de Freitas)
Elas nasceram com um dom (o da cura) e uma missão (ajudar ao próximo). Para isso, sacrificam as próprias vidas, e o fazem com devoção, algo cada vez mais raro em uma sociedade personalista. Elas são as famosas benzedeiras, que apesar dos avanços tecnológicos e da ampliação do acesso à saúde, resistem ao tempo e mantém viva essa tradição secular, atuando como intermediárias de Deus e “curando” males diversos, sejam eles físicos, psicológicos ou espirituais.
Em Curitiba e região metropolitana, encontrar uma benzedeira não chega a ser uma tarefa difícil, mas certamente já foi bem mais fácil. De acordo com um estudo coordenado pelo historiador Victor Augustus Graciotto Silva, em 2009 existiam cerca de 61 benzedeiras tradicionais na Capital — que eram reconhecidas pela comunidade como benzedeiras e que não cobravam pelo benzimento (grande parte aceitava “agrados”, seja em dinheiro, seja em produtos alimentícios). 
Mais para o interior do Paraná, a tarefa de encontrá-las fica mais simples. No Centro-Sul do estado, a cerca de 200 quilômetros da Capital, o Movimento Aprendizes da Sabedoria (Masa) identificou 294 delas — 161 em São João do Triunfo e 133 em Rebouças.

A maioria das rezadeiras segue a fé católica, pedindo a intercessão de algum santo de devoção ou mesmo conversando diretamente com Deus. Esse é o caso da Joanita Good Barausse, de Campo Largo. Católica fervorosa, além de benzedeira ela ainda atua como missionária e participa da diretoria da igreja que frequenta. Aos 74 anos, há 46 atua como benzedeira e conta com a ajuda de Nossa Senhora Aparecida e Santa Paulina para atender todos os dias entre 30 e 70 pessoas.
“Já nasci com o dom. Desde criança, quando outras crianças caíam e se cortavam, eu colocava o dedo e estancava o sangramento, colocava braço deslocado no lugar, e isso tudo sem ter conhecimento”, afirma a Dona Joana, como é conhecida a benzedeira. “Gosto muito do que faço e faço com amor, carinho e dedicação. Vale a pena o sacrifício. Esse é meu dom e é uma missão que Deus me confiou”, complementa.

No caso das benzedeiras do município de Rebouças, Agda Andrade Cavalheiro, de 70 anos, e Ana Maria dos Santos, de 49, a tradição foi passada de pai para filha. “Meu pai era homeopático e me ensinou algumas coisas. Desde pequena eu ajudava ele e fui aprendendo os remédios. É casca para uma coisa, folha para outra. Com 40 anos comecei a benzer”, conta Agda. “Eu tenho 6 irmãos, mas meu pai me escolheu para ser a herdeira dele porque eu tinha disposição, sempre acompanhava ele. Quando ele faleceu, fiquei no lugar dele”, relata Ana Maria.
Questionadas sobre quem seria o responsável pelas curas, as três benzedeiras foram unânimes na resposta. “É Deus quem cura. Nós somos apenas intermediárias”. Por isso mesmo, elas não podem cobrar pelos seus benzimentos. A tradição, inclusive, dita que a benzedeira que pedir dinheiro em troca perde o dom. Doações, no entanto, podem ser aceitas.
“Benzedor não pode cobrar, senão está cobrando em nome de Deus, até porque é ele quem cura. Só pedimos para levar a vela para o santo, porque tudo o que precisamos nós pedimos e Ele dá”, afirma Agda. “A pessoa dá o que ela quiser e puder (pelo atendimento). E tudo o que ganho divido com a pobreza e a Santa Casa de Deus”, completa dona Joana, que reparte as doações feitas “de coração” por aqueles a quem ela ajudou.

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