segunda-feira, 14 de julho de 2014

BOLIVARIANISMO: Governo Lula sabia do envio de soldados e blindados da Venezuela para acabar com a oposição boliviana em 2007 e 2008, mas optou por ficar calado. Pior: deixou aviões militares da Venezuela a sobrevoar 114 vezes, de forma ilegal, o espaço aéreo do país


CONTRA A LEI: Um dos quatro cargueiros Hercules C-130 da Força Aérea Venezuelana. O país cruzou 114 vezes o espaço aéreo brasileiro para levar soldados e veículos blindados para a Bolívia (Foto: Reprodução/VEJA)
CONTRA A LEI: Um dos quatro cargueiros Hercules C-130 da Força Aérea Venezuelana. Aparelhos venezuelanos cruzaram 114 vezes o espaço aéreo brasileiro para levar soldados e veículos blindados para a Bolívia (Foto: Reprodução/VEJA)

CONIVÊNCIA DIPLOMÁTICA
Documentos vazados do Itamaraty revelam que, ao saber do envio de tropas e blindados venezuelanos para massacrar a oposição na Bolívia, em 2007 e 2008, o governo do PT preferiu abafar o caso
Reportagem de Duda Teixeira publicada em edição impressa de VEJA
A autodeterminação dos povos significa que uma nação não pode se intrometer nos assuntos internos de outra. Neste ano, esse princípio foi usado, corretamente, para condenar a Rússia pela invasão da Crimeia e pelo envio de paramilitares para o leste da Ucrânia.
Apesar de se apresentar como defensora do princípio da autodeterminação, a diplomacia brasileira se absteve, em reunião da ONU, de repudiar o intervencionismo do governo russo. Documentos confidenciais revelam que o Brasil tem a mesma postura de conivência em crises internas que envolvem os vizinhos da América do Sul.
Em 2007, a Venezuela sobrevoou o espaço aéreo brasileiro para enviar soldados e viaturas militares para ajudar a Bolívia a massacrar protestos populares. Como os governos boliviano e venezuelano são ideologicamente afinados com o brasileiro, o caso foi abafado. Parte dessa história aparece em um relatório confidencial do Ministério da Defesa do Brasil.
O texto narra a visita de militares e do ministro da Defesa Nelson Jobim à Venezuela entre 13 e 14 de abril de 2008. O documento faz parte de um pacote de 397 arquivos surrupiados do sistema de e-mails do Itamaraty e disponibilizados na internet por hackers, em maio passado.
Segundo o relatório, após desembarcarem em Caracas, os representantes brasileiros se reuniram na manhã do dia 14 na casa do embaixador Antônio José Ferreira Simões para acertar os ponteiros antes do encontro com o chanceler Nicolás Maduro, hoje presidente da Venezuela. Cada aparte dos presentes foi registrado no papel.
Em determinado momento, o general Augusto Heleno, comandante militar na Amazônia, perguntou se os demais sabiam de aviões Hercules C-130 que transportavam tropas venezuelanas para a Bolívia. O embaixador Simões interveio: “Uma denúncia brasileira de presença de tropas venezuelanas na Bolívia pode piorar a situação”.
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O documento do Ministério da Defesa revela as viagens venezuelanas pelo espaço aéreo nacional (CLIQUE PARA AMPLIAR A IMAGEM)
Enquanto isso, o governo de Evo Morales continuava enviando tropas e milícias para lutar contra opositores no Estado de Pando, na fronteira com o Acre.
Em dezembro de 2007, um cargueiro Hercules C-130 da Força Aérea Venezuelana tivera problemas técnicos e aterrissou em Rio Branco, no Acre, vindo da Bolívia. A Polícia Federal vistoriou a aeronave, não encontrou armas nem munição e permitiu que o avião seguisse para a Venezuela.
Os documentos vazados mostram que isso era só a ponta do iceberg. Na conversa na casa do embaixador, o general Heleno afirmou que “há presença não apenas de venezuelanos na Bolívia, mas também de cubanos, com interesse operacional”. Segundo o tenente ­brigadeiro Gilberto Burnier, durante a crise, a Venezuela fez 114 voos.
“Informavam que transportavam veículos comerciais, porém foi visto que transportavam viaturas blindadas para transporte de pessoal (VBTP) e outras viaturas militares”, lê-se no documento. No encontro com os venezuelanos, o ministro Nelson Jobim sugeriu que fosse criado um corredor aéreo para “sacar da agenda esse problema”, ou seja, abafar o caso, pois a lei proíbe o sobrevoo de material bélico sobre o território nacional sem autorização.
A proposta contava com o apoio do presidente Lula. Em agosto de 2008, o Diário Oficial da União publicou um memorando pelo qual os venezuelanos se comprometem a pedir autorização para cruzar o espaço aéreo brasileiro. A Venezuela, portanto, continuou enviando tropas e armas sem ser incomodada.
Um mês depois, mais de quinze pessoas morreram em uma guerra campal em Pando, na Bolívia. Alguns agentes da repressão, segundo denúncias de opositores, eram venezuelanos.
Quem comandou a operação foi o atual ministro da Presidência da Bolívia, Juan Ramón Quintana, o mesmo que, posteriormente, em 2010, foi visto saindo com maletas da casa do narcotraficante brasileiro Maximiliano Dorado, em Santa Cruz de la Sierra.

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