por Célio Heitor Guimarães
Ao admitir que sofreu pressão e ameaças para votar em Fábio Camargo para o Tribunal de Contas do Estado, o deputado estadual Elton Welter justificou-se: “Todo mundo tem medo do Poder Judiciário!”
Com a devida vênia, excelência, nem todo mundo. Eu, por exemplo, não tenho. Creio que só deve ter medo quem tem culpa no cartório, o rabo preso, essas coisas. Mas… agora, pensando bem, acho que tenho sim. Não do Judiciário. Nem pelos motivos de V. Exª., nobre deputado. Mas de alguns juízes, tenho medo sim. De juízes despreparados, de juízes preguiçosos, de juízes desonestos, de juízes arrogantes, que não sabem nem querem judiciar, não leem os autos, não estudam, levam a lei ao pé da letra ou interpretam-na ao seu gosto pessoal. Esse pessoal me assusta.
Estive trinta e cinco anos dentro do Poder Judiciário, como servidor público. Entrei como servente e saí como assessor jurídico. Ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado dei a maior parte da minha vida. Ali, aprendi muito, vi muita coisa. Convivi com pessoas honradas, decentes, trabalhadoras, cumpridoras dos seus deveres. Mas também conheci muito patife de toga.
Depois, tentei exercitar a profissão para a qual me formara nos idos de 1965. Foi um tour de force que durou dez anos, mais pelo apoio de bons colegas que honram o Direito. Vi que não dava para aquilo, não tinha mais paciência nem idade para aguentar a malta acima relacionada e seus pirilampos.
Felizmente, a maioria dos magistrados deste país ainda é digna, proba, justa e idealista, gente que leva a sério a sua função, apesar dos pesares, da má remuneração e dos maus exemplos que se espalham país adentro. Caso contrário, nem mais existiria no Brasil a instituição judiciária.
Além do que, tenho esperança na nova geração. Há aí uma moçada de capa preta recém alinhavada que merece atenção. Tem consciência, quer mudanças e não faz segredo disso.
Outro dia, um jovem magistrado, em atividade em comarca não muito distante de Curitiba, fez circular entre os colegas uma manifestação surpreendente, que poderia ter-lhe causado, no mínimo, algum constrangimento funcional. Eu não ia citar-lhe o nome, embora tivesse autorização para tal. Mas vou, porque as pessoas de bem, os bons profissionais, têm nome e sobrenome. O moço, aprovado com mérito no concurso para a magistratura chama-se Antônio Sérgio Bernardinetti. É dele os trechos a seguir, um mínimo da profissão de fé de um julgador saído há pouco da adolescência, mas com um belo futuro pela frente:
“Como magistrado, não sou neutro. Sou imparcial, o que é bem diferente. O professor baiano Fredie Didier Júnior costuma brincar em suas aulas dizendo que ‘neutro não é gente, neutro é detergente’. Significa que todo mundo que emite uma opinião o faz segundo suas convicções, sua visão de mundo, sua carga de conhecimento, de sentimentos, de impressões e de paixões.
“O juiz tem o dever de ser imparcial, ou seja, não decidir pensando em favorecer uma ou outra parte, mas é impossível fazê-lo de modo neutro. O juiz é gente, acreditem! Eu, como juiz de Direito, sou uma pessoa comum, que pensa, tem dor de barriga, sente fome, atende ordens médicas, sofre a pressão da Corregedoria e do CNJ por ‘números e mais números’, passa angústia ao ver que seu trabalho não é suficiente para o melhor atendimento a quem precisa e que erra e erra muito, mesmo fazendo o que pensa ser o certo.
“É importante dizer também que nenhum direito – nenhum – é absoluto. Mesmo o direito à vida não é absoluto. Basta lembrar que, em situação de legítima defesa, uma pessoa pode tirar a vida de outra. E também existe a previsão de pena de morte no Brasil, no Código Penal Militar, para crimes militares cometidos em tempo de guerra.
“Uma coisa que pouca gente entende é que o Direito comporta várias interpretações. Não é matemática; é ciência social. E não é fácil interpretar as leis. As técnicas são muitas e vêm sendo reinventadas há milhares de anos. Como seria bom se existisse “o certo e o errado”. É o sonho de todo juiz!
“A lei, como fruto, não tem como cair longe de árvore. Se a árvore é podre, como esperar um bom fruto? E são esses abacaxis podres que nós do Poder Judiciário temos que descascar. Não é fácil. O ditado popular é totalmente verdadeiro. Leis são feitas para pobres. Ou melhor, contra pobres. O rico, capaz de pagar por um brilhante advogado, conseguirá, quase sempre, livrar-se solto de sua canalhice. São infinitos, infindáveis, os recursos, as revisões, os embargos. É possível enrolar um processo, até que sobrevenha a tão sonhada prescrição.
“A ‘limpeza’ do cenário político brasileiro só poderá vir através de um Judiciário forte e acima de qualquer suspeita. Ele é tudo o que nos resta! E não digo isso como juiz, mas como cidadão. Temos nossos defeitos. Muitos. Infelizmente, também temos alguns criminosos entre nós. São pouquíssimos, mas temos. Mesmo assim, o Judiciário é a última linha de defesa contra a dominação total pelos poderes Executivo e Legislativo. E quando tivermos no Supremo os mesmos Juízes livres e independentes que temos aqui no “varejo”, a luz no fim do túnel deixará de ser um caminhão desgovernado”.
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