Reinaldo Azevedo, jornalista, é colunista da Folha e autor de um blog na revista 'Veja'. Escreveu, entres' (ed. Record) e 'M
Para o submarxismo vigente naqueles
ambientes que o poeta Bruno Tolentino (1940-2007) chamava "Complexo
Pucusp" –onde a imprensa colhe seus "especialistas"–, o futuro
já aconteceu faz tempo. O que virá será só a materialização do que já estava
inscrito na natureza humana. E essa natureza, consta, é libertar-se da
opressão. Assim, toda ação, todo acontecimento, todo evento só encontram
sentido na medida em que podem ou não ser úteis a esse propósito. A história
deixa de ser "a contínua marcha do desejo", na expressão de Thomas
Hobbes, para ser uma sequência de capítulos de fim conhecido, que nos conduzirá
ao encontro com a verdade. Parece complicado? Eu me esforcei. Das nuvens para
os ônibus.
Desde 1º de janeiro, 33 ônibus municipais
e outros tantos intermunicipais já foram incendiados na periferia de São Paulo
e adjacências. Em dois ou três casos, alega-se uma reação à suspeita de que a
PM teria matado um rapaz da "comunidade". E os demais? Ah, esses
ficariam por conta do "malaise" social que levaria adolescentes da
periferia a fazer "rolezinhos", "black blocs" a quebrar
tudo, funkeiros a tentar explodir posto de gasolina... Teria sido acionado o
gatilho do DNA libertador das massas.
Analistas muito severos trovejam: "Eu
bem que avisei". Outros iluminam suas esperanças com as chamas dos ônibus.
Estão com o povo, contra os reacionários! A antropologia da reparação ameaça:
"Chegou a hora de entregar os dedos; os oprimidos não se contentam mais
com os anéis do reformismo tucano-petista!".
O espírito do tempo tem peso determinante
na história. São os poderes instituídos e as matrizes influentes de valores
–onde estão a imprensa e a indústria cultural– que definem a recompensa e a
punição aos comportamentos desejáveis ou indesejáveis. Se essas instâncias
flertam com a desordem, esta passa a ser encarada como um instrumento eficaz de
luta. Se a violência é recompensada com o reconhecimento da legitimidade da
"causa", já se tem erigida uma moral. Aí a vaca vai para o brejo.
Defende-se hoje, a céu aberto, que PMs
enfrentem desarmados os fascistoides que vão para as ruas portando coquetéis
molotov –e assim é desde a primeira manifestação em São Paulo, no dia 6 de
junho do ano passado. Tenta-se linchar um policial que cometeu a ousadia da
legítima defesa. A repressão ao tráfico de drogas vira agressão aos direitos
humanos. O desvio assume, enfim, o papel de contenção que cabe à norma.
Insiste-se na farsa ridícula da luta da
"sociedade contra o Estado", e policiais "negros e morenos"
(como diria Gilberto Carvalho), saídos daquela mesma periferia que seria a
portadora do futuro, são tratados como o braço armado da velha ordem a retardar
a aurora. O Brasil não é o Egito. A nossa democracia, por enquanto ao menos,
não vive sob tutela, a não ser a desses milicianos do futuro. É bem verdade que
o PT se esforça para tomar o lugar da sociedade e tenta estatizar até os
"manos" e as "minas" dos "rolezinhos". Mas ainda
não logrou o seu intento.
Não pensem que este rottweiler do
reacionarismo acredita numa moral intrínseca da história, oposta à dos
submarxistas, que nos conduziria para o bem. A história, em si, é amoral e se
move por relações de força. Ocorre que, por esse caminho, democracia, fascismo
ou comunismo seriam resultados plausíveis até que não se chegasse àquele
momento do encontro do homem com o seu começo. Besteira!
A história não é moral, mas nós somos
seres morais. Falaremos em nome de quais valores? A democracia é um regime
legitimado pela maioria, mas sustentado, nos seus fundamentos –muito
especialmente a proteção às minorias–, por elites de pensamento capazes de
fazer escolhas que transcendem seus próprios interesses. É nesse lugar que está
a imprensa. Não, meus caros! Os pobres não herdarão o Reino da Terra. Quais
serão, então, as nossas escolhas?
Nenhum comentário:
Postar um comentário