Publicado no Estadão desta quarta-feira
JOSÉ NÊUMANNE
O Partido dos Trabalhadores (PT) tem dado, ao longo destes seus 34 anos de existência, lições de militância e democracia interna que seriam capazes de matar de inveja seus adversários, normalmente agremiações disformes com cabeças imensas e praticamente sem pernas. Sendo assim, como manter os pés no chão, não é mesmo? É possível contestar a afirmação feita acima argumentando que os petistas traíram seus ideais pelo poder e agora fazem o diabo, no dizer da presidente Dilma Rousseff, para se manterem nele. Isso, contudo, não desmente a afirmação feita de início, comprovada na recente reeleição direta de seu presidente nacional, Rui Falcão, que reafirmou a aposta pragmática na aliança multipartidária. Esta não é apenas da cúpula, mas também da base, conforme confirmou a votação por ele recebida.
A condenação dos ex-presidentes nacionais do PT José Dirceu e José Genoino por corrupção e formação de quadrilha, todavia, está desafiando a comunhão de convicções e ideais entre a cúpula e as bases petistas, que tem sido a regra na história do partido desde sua fundação. Desde que a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) resistiu às constrangedoras pressões do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para adiar o julgamento do escândalo de corrupção na compra de apoio parlamentar para seu primeiro governo, o famigerado mensalão, a cúpula petista tem tentado evitar que esses senhores respondam perante a Justiça pelos crimes comuns que cometeram. O argumento de que o processo, transmitido pela televisão, influiria negativamente nas eleições desmoronou ante a sólida sensatez da maioria do colegiado. E, depois, sob o peso dos fatos, pois não houve influência alguma da exposição das vísceras do partido no poder nas disputas eleitorais municipais do ano passado. Ao longo do julgamento, a direção do PT vendeu a fantasia do “caixa 2″ e, com as condenações e depois das ordens de prisão, passou a desqualificar o STF.
Os 11 ministros reunidos passaram a representar o espírito revanchista da direita desalojada do poder pelos bravos companheiros de jornada e o Poder Judiciário teria assumido o papel de destruidor das conquistas populares obtidas nos oito anos de mandato de Lula e quase três de Dilma. Tal argumento não resiste, porém, nem aos fatos nem à lógica. Oito desses ministros foram nomeados pelos presidentes petistas. E tanto o presidente da Corte à época do julgamento, Ayres Britto, quanto o relator que foi alçado à presidência, Joaquim Barbosa, votaram no PT. O primeiro, que teve um comportamento exemplar no processo, chegou a fazer parte das bases, da aguerrida militância petista.
O coro de desmanche moral dos ministros do STF, puxado por Rui Falcão, tem encontrado eco nos diretórios regionais escolhidos no mesmo processo eleitoral. Exemplo notório disso foi o tom dos discursos de todos os oradores que prestigiaram a posse do prefeito de Maricá, Washington Quaquá, no comando do PT no Estado do Rio. Do próprio Quaquá à representante da bancada federal fluminense do PT, Benedita da Silva, eles manifestaram irrestrita solidariedade aos companheiros apenados e presos e execraram a “injustiça” do Supremo. Dirceu, Genoino e Delúbio Soares – ex-tesoureiro do partido que lidera a aliança governista federal – foram chamados de “heróis” e “guerreiros”, vítimas da direita e da grande imprensa.
Os três se dizem “presos políticos”, mas, de fato, como dizia o saudoso comentarista Joelmir Beting, não passam de “políticos presos”. A diferença, que os discursos de Quaquá e Benedita não conseguem encobrir, é que a primeira denominação define condenados que ousam desafiar o poder estabelecido e a segunda, homens públicos que cumprem pena por crimes comuns, como furto e formação de bando (daí o substantivo bandido).
A lição do gênio do marketing do nazismo, Josef Goebbels, segundo a qual a insistência da propaganda pode transformar uma mentira em verdade, contudo, não parece estar surtindo efeito nessa chantagem subversiva da direção do PT contra a cúpula do Judiciário. O Datafolha divulgou – no mesmo fim de semana em que os dirigentes petistas fluminenses tentavam transformar meliantes comuns, condenados por formação de bando para desviar dinheiro público, em mártires – pesquisa que revela com clareza a discrepância entre o discurso da direção e a convicção dos militantes.
O Datafolha ouviu 4.557 pessoas em 194 municípios brasileiros. Entre elas, 86% acharam que o relator do mensalão e presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, agiu bem ao mandar prender os mensaleiros condenados no feriado de 15 de novembro, dia da Proclamação da República. Somente esse número já poderia bastar para a cúpula petista pensar duas vezes antes de prosseguir em sua teimosa e mendaz campanha para satanizar o Poder Judiciário, sobre cujas costas pesa a responsabilidade da manutenção de regras sem as quais a democracia, que é o império da lei, sucumbiria. O interessante nessa pesquisa é que 87% dos entrevistados que se disseram “adeptos do PT” manifestaram opinião idêntica.
Juristas de nomeada têm socorrido os dirigentes petistas na defesa da hipótese de que o presidente do STF teria mandado prender os réus cujo processo foi dado como “passado em julgado” para “se promover pessoalmente”, não tendo agido “com justiça” nem feito “o que deveria ser feito”. Entre os entrevistados, 78% discordam dessa teoria. Dos que se dizem petistas, 80% concordaram com a maioria e discordaram dos maiorais. É previsível que estes tentem desqualificar a pesquisa por ser o instituto ligado a um jornal da “grande imprensa”. Mas fariam melhor pelo PT se respeitassem a lógica, o amor à verdade e o ódio à corrupção que a população e os petistas da base dizem ter.
JOSÉ NÊUMANNE
O Partido dos Trabalhadores (PT) tem dado, ao longo destes seus 34 anos de existência, lições de militância e democracia interna que seriam capazes de matar de inveja seus adversários, normalmente agremiações disformes com cabeças imensas e praticamente sem pernas. Sendo assim, como manter os pés no chão, não é mesmo? É possível contestar a afirmação feita acima argumentando que os petistas traíram seus ideais pelo poder e agora fazem o diabo, no dizer da presidente Dilma Rousseff, para se manterem nele. Isso, contudo, não desmente a afirmação feita de início, comprovada na recente reeleição direta de seu presidente nacional, Rui Falcão, que reafirmou a aposta pragmática na aliança multipartidária. Esta não é apenas da cúpula, mas também da base, conforme confirmou a votação por ele recebida.
A condenação dos ex-presidentes nacionais do PT José Dirceu e José Genoino por corrupção e formação de quadrilha, todavia, está desafiando a comunhão de convicções e ideais entre a cúpula e as bases petistas, que tem sido a regra na história do partido desde sua fundação. Desde que a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) resistiu às constrangedoras pressões do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para adiar o julgamento do escândalo de corrupção na compra de apoio parlamentar para seu primeiro governo, o famigerado mensalão, a cúpula petista tem tentado evitar que esses senhores respondam perante a Justiça pelos crimes comuns que cometeram. O argumento de que o processo, transmitido pela televisão, influiria negativamente nas eleições desmoronou ante a sólida sensatez da maioria do colegiado. E, depois, sob o peso dos fatos, pois não houve influência alguma da exposição das vísceras do partido no poder nas disputas eleitorais municipais do ano passado. Ao longo do julgamento, a direção do PT vendeu a fantasia do “caixa 2″ e, com as condenações e depois das ordens de prisão, passou a desqualificar o STF.
Os 11 ministros reunidos passaram a representar o espírito revanchista da direita desalojada do poder pelos bravos companheiros de jornada e o Poder Judiciário teria assumido o papel de destruidor das conquistas populares obtidas nos oito anos de mandato de Lula e quase três de Dilma. Tal argumento não resiste, porém, nem aos fatos nem à lógica. Oito desses ministros foram nomeados pelos presidentes petistas. E tanto o presidente da Corte à época do julgamento, Ayres Britto, quanto o relator que foi alçado à presidência, Joaquim Barbosa, votaram no PT. O primeiro, que teve um comportamento exemplar no processo, chegou a fazer parte das bases, da aguerrida militância petista.
O coro de desmanche moral dos ministros do STF, puxado por Rui Falcão, tem encontrado eco nos diretórios regionais escolhidos no mesmo processo eleitoral. Exemplo notório disso foi o tom dos discursos de todos os oradores que prestigiaram a posse do prefeito de Maricá, Washington Quaquá, no comando do PT no Estado do Rio. Do próprio Quaquá à representante da bancada federal fluminense do PT, Benedita da Silva, eles manifestaram irrestrita solidariedade aos companheiros apenados e presos e execraram a “injustiça” do Supremo. Dirceu, Genoino e Delúbio Soares – ex-tesoureiro do partido que lidera a aliança governista federal – foram chamados de “heróis” e “guerreiros”, vítimas da direita e da grande imprensa.
Os três se dizem “presos políticos”, mas, de fato, como dizia o saudoso comentarista Joelmir Beting, não passam de “políticos presos”. A diferença, que os discursos de Quaquá e Benedita não conseguem encobrir, é que a primeira denominação define condenados que ousam desafiar o poder estabelecido e a segunda, homens públicos que cumprem pena por crimes comuns, como furto e formação de bando (daí o substantivo bandido).
A lição do gênio do marketing do nazismo, Josef Goebbels, segundo a qual a insistência da propaganda pode transformar uma mentira em verdade, contudo, não parece estar surtindo efeito nessa chantagem subversiva da direção do PT contra a cúpula do Judiciário. O Datafolha divulgou – no mesmo fim de semana em que os dirigentes petistas fluminenses tentavam transformar meliantes comuns, condenados por formação de bando para desviar dinheiro público, em mártires – pesquisa que revela com clareza a discrepância entre o discurso da direção e a convicção dos militantes.
O Datafolha ouviu 4.557 pessoas em 194 municípios brasileiros. Entre elas, 86% acharam que o relator do mensalão e presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, agiu bem ao mandar prender os mensaleiros condenados no feriado de 15 de novembro, dia da Proclamação da República. Somente esse número já poderia bastar para a cúpula petista pensar duas vezes antes de prosseguir em sua teimosa e mendaz campanha para satanizar o Poder Judiciário, sobre cujas costas pesa a responsabilidade da manutenção de regras sem as quais a democracia, que é o império da lei, sucumbiria. O interessante nessa pesquisa é que 87% dos entrevistados que se disseram “adeptos do PT” manifestaram opinião idêntica.
Juristas de nomeada têm socorrido os dirigentes petistas na defesa da hipótese de que o presidente do STF teria mandado prender os réus cujo processo foi dado como “passado em julgado” para “se promover pessoalmente”, não tendo agido “com justiça” nem feito “o que deveria ser feito”. Entre os entrevistados, 78% discordam dessa teoria. Dos que se dizem petistas, 80% concordaram com a maioria e discordaram dos maiorais. É previsível que estes tentem desqualificar a pesquisa por ser o instituto ligado a um jornal da “grande imprensa”. Mas fariam melhor pelo PT se respeitassem a lógica, o amor à verdade e o ódio à corrupção que a população e os petistas da base dizem ter.
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