terça-feira, 5 de novembro de 2013

A coluna pagará o salário de Champinha se o procurador que quer libertá-lo aceitar como motorista o carrasco de Liana Friedenbach

Augusto Nunes


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Champinha tinha 16 anos em novembro de 2003, quando inaugurou a carreira de bandido sem cura com o sequestro de um casal de namorados, vários estupros, sucessivas sessões de tortura e um assassinato a sangue frio, tudo isso em menos de uma semana. Liana Friedenbach também tinha 16 anos quando foi sequestrada em companhia de Felipe Dias Caffé, 19. Ele foi abatido com um tiro na nuca por um dos integrantes da quadrilha liderada pelo delinquente principiante. Ela ficou cinco dias em poder de Champinha, que a estuprou e torturou incontáveis vezes – nos intervalos, obrigava a presa a saciar o apetite sexual dos comparsas – antes de executá-la com 15 facadas.
Passados dez anos, Liana (da mesma forma que Felipe) é apenas uma vida que poderia ter sido e não foi. O destino e os códigos legais foram bem mais gentis com Champinha. “Matei porque deu vontade”, informou ao ser capturado. Nem por isso lhe faltaria a mão amiga de uma Justiça sempre camarada com feras precoces. A legislação que trata de crimes cometidos por menores de idade é tão misericordiosa com menores que matam quanto inclemente com menores que morrem. Só é proibida a identificação dos delinquentes. O rosto e o nome das vítimas podem ser divulgados sem restrições, sem tarjas cobrindo os olhos nas fotos, sem esconder o nome completo por trás de iniciais.
Até que o matador chegasse à maioridade, as narrativas divulgadas pela imprensa sobre o mergulho no inferno de Liana Friedenbach, ilustradas pela fisionomia suave da menina assassinada, não puderam mostrar o brilho homicida do olhar de Champinha, muito menos revelar que nome se escondia por trás daquelas quatro letras: RAAC.  Trata-se de Roberto Aparecido Alves Cardoso, lembrou neste domingo o programa Fantástico, da TV Globo, que exibiu imagens do meliante que, aos 26 anos, é um dos internos do Unidade Experimental de Saúde (UES),  criada pelo governo de São Paulo.
“Existe o menor infrator e existe uma minoria que é irrecuperável”, pondera o advogado Ari Friedenbach, que hoje prossegue na Câmara Municipal de São Paulo a luta para mudar a legislação absurdamente branda com marginais prematuros. “Não seria exagero chamá-lo de besta, no sentido demoníaco da palavra”, afirmou o pai de Liana na conversa com o site de VEJA republicada na seção Entrevista. Dele discordam dirigentes de entidades que tentam libertar Champinha desde que completou o limite de três anos de internação na Fundação Casa, antiga Febem.
Esse atentado à sensatez poderá consumar-se ainda neste mês, avisou a reportagem do Fantástico. Basta que a Justiça considere procedente uma ação civil, protocolada em abril passado por uma ramificação paulista do Ministério Público Federal, que pede a extinção da UES, que mantêm distantes da sociedade alguns maiores de 18 anos que cometeram crimes considerados graves e já superaram o tempo máximo de permanência na Casa, mas continuam com o direito de ir e vir interditado por laudos médicos desfavoráveis. Roberto Aparecido Alves Cardoso é um deles.
“Os jovens deveriam ser tratados em instituições de saúde adequadas, segundo os preceitos que norteiam o tratamento de suas moléstias e não em uma instituição que se encontra num ‘limbo jurídico’”, alega a ação subscrita pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo, pelo Conectas Direitos Humanos, pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente, pelo Instituto de Defesa dos Direitos de Defesa e pelo Conselho Regional de Psicologia da 6ª Região.
Pedro Antônio de Oliveira Machado, procurador regional dos Direitos do Cidadão, qualifica de “medieval” o tratamento dispensado aos jovens bandidos. Segundo o procurador, a UES não pode ser considerada penitenciária, nem colônia agrícola, industrial ou similar, nem cadeia pública, hospital de custódia e tratamento ou qualquer outra modalidade de estabelecimento penal. “Os jovens ali internados não estão cumprindo pena decorrente de processo crime”, afirma num trecho da ação.
“O local também não pode ser considerado um hospital, porque não possui projeto terapêutico para tratamento dos jovens internos e os prontuários médicos não são acessíveis aos jovens e seus familiares”, prossegue o arrazoado. Embora admita que os reclusos da UES ─ “em caso de necessidade” ─ sejam transferidos para “estabelecimentos inscritos no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, como Centros de Atenção Psicossocial III (leitos em internação) e hospitais gerais”, o procurador prefere devolver às ruas Champinha e seus colegas.
“Após o término do período improrrogável de três anos de internação na Fundação Casa, ou ao completar 21 anos, com o esgotamento da competência da Justiça da Infância, deveriam ser postos em liberdade”, argumenta. “Além de estarem sendo responsabilizados duas vezes pela prática do mesmo ato, a internação compulsória na UES se dá por tempo indeterminado, como se perpétua fosse”. Vários exames feitos nos últimos anos concluíram que Champinha continua tão cruel e perigoso quanto se mostrou naquele novembro de 2003. Mas nada disso parece impressionar o primeiro a assinar a ação.
Caso seja libertado, Roberto Aparecido Alves Cardoso poderia prestar serviços a Oliveira Machado como motorista particular. A coluna se dispõe a bancar-lhe o salário. E topa pagar o dobro se o patrão entregar a Champinha a missão de transportar, entre a casa e a escola, as crianças da família.

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