Pesquisadores dizem que movimento de pessoas e
veículos causaria diversos danos ao parque. Possibilidade está sendo
discutida no Congresso
Passada uma década do fechamento da Estrada do Colono, no Parque Nacional do Iguaçu, a mata já retomou seu lugar. Árvores com até dez metros de altura ocupam hoje o que chegou a ser terra amassada por pneus. À exceção das marcas que ficaram nas duas extremidades dos 17 quilômetros em meio à floresta localizada no Sudoeste do Paraná, quase nada lembra que por ali havia uma passagem. É o que contam funcionários do parque e pesquisadores, preocupados com o impacto que a movimentação de pessoas e veículos poderia representar ao mais significativo remanescente de Mata Atlântica no Sul do Brasil. A possibilidade de reabrir a estrada está sendo discutida no Congresso Nacional.
Apolônio Rodrigues, vice-diretor do parque, reforça que não se trata de simplesmente voltar a usar um espaço já preparado para o trânsito. Seria necessário derrubar cerca de 170 mil metros quadrados de mata e fazer obras, como pontes. Depois do impacto de implantação viriam os danos decorrentes do uso. Rodrigues trabalha na unidade há 22 anos e assistiu de perto o que acontecia quando a passagem estava aberta. Caçadores, contrabandistas, traficantes, ladrões de carro e palmiteiros eram presença frequente. A passagem de veículos afastaria animais das proximidades da estrada, levando junto os predadores naturais, e assim romperia-se o equilíbrio ecológico do lugar.
Carta
“Eles iriam chegar mais perto de propriedades particulares,
matando animais domésticos, e acabariam mortos”, comenta Rodrigues.
Atropelamentos de animais também podem aumentar. Uma estrada ainda traz
mais riscos de infestação de plantas invasoras e de doenças para animais
silvestres.
Leia carta
contra a reabertura da Estrada do Colono escrita em 1998, ao presidente
Fernando Henrique Cardoso, pelo neto da ambientalista Teresa Urban.
Pesquisadores alertam sobre pressão humana
A pesquisadora francesa Anne-Sophie Bertrand monitora a presença de mamíferos no Parque Nacional do Iguaçu desde 2006. A atenção se concentra em grandes felinos, que precisam de espaço para se desenvolver e caçar. Nas 68 mil fotos que coleciona, três vezes aparecem pumas. As câmeras instaladas na mata não flagraram nenhuma onça pintada. O monitoramento mostrou o ser humano como o “animal” que deixou mais marcas no parque (294 registros contra 158 do segundo animal mais abundante, o veado-mateiro). A pesquisadora argumenta que, se com a estrada fechada a presença humana já é forte, a abertura ampliaria o impacto no parque.
“A abertura da Estrada do Colono seria a última facada para a frágil vida encontrada no parque”, lamenta. Anne-Sophie conta que frequentemente se depara com jiraus, cevas e saleiros ativos, estruturas deixadas na mata por caçadores e palmiteiros, além de várias picadas abertas e ativas. Para ela, o conceito científico de “floresta vazia”, quase sem animais, está rondando o Parque Nacional do Iguaçu. “Desse jeito, meus filhos não vão ver onça pintada no parque”, diz.
O professor Arnaldo Ricobom fez a pesquisa de mestrado no início dos anos 2000, com a Estrada do Colono ainda aberta. Ele, que trabalha no curso de Geografia da Universidade Federal do Paraná, avaliou aspectos de degradação ambiental no Parque Nacional do Iguaçu. A abertura da estrada representa, na avaliação de Ricobom, a exposição a problemas, como facilidade de acesso para infratores, circulação de animais carregados pelos veículos que levariam doenças às espécies nativas, poluição, animais atropelados e a infestação de plantas oportunistas.
Andamento
Um projeto de lei para tentar legalizar a abertura da Estrada do Colono está em análise na Câmara Federal. O projeto foi aprovado por uma comissão especial, formada por um número reduzido de parlamentares. Uma intervenção da deputada federal Rosane Ferreira (PV-PR), que reuniu assinatura de 85 deputados, exige que o projeto só siga adiante se passar pelo plenário, com aprovação da maioria dos 513 parlamentares.
Estrada-parque
O projeto de lei cria uma nova modalidade e altera a lei de unidades de conservação. Contudo, ambientalistas questionam o uso do termo estrada-parque para definir o que está sendo proposto. O modelo prevê a recuperação de áreas degradadas e não a intervenção em unidades protegidas – a transformação de estradas em parques e não de parques em estradas. Também só seria possível se a estrada tivesse uma beleza cênica excepcional, o que não é o caso.
Mobilização
O Parque Nacional do Iguaçu corre o risco de perder o título de Patrimônio da Humanidade. No início dos anos 2000, quando a questão da estrada estava novamente sendo discutida, a Unesco classificou a unidade como sítio ameaçado. Representantes de várias entidades ambientais se reuniram para evitar a reabertura da estrada. O Ministério do Meio Ambiente deve ser pressionado a se posicionar contra a intervenção.
Histórico
A Estrada do Colono nunca foi oficialmente aberta. Havia uma ligação de terra entre as cidades de Serranópolis do Iguaçu e Capanema, que o governo pensou até em asfaltar, na década de 80. Começou uma batalha judicial, com uma série de decisões favoráveis e contrárias à estrada. Em 2001, a passagem foi fechada pela Polícia Federal. Em 2003, acabou reaberta por moradores, mas novamente interrompida após alguns dias.
Posição
Governo do estado diz que prefere aguardar desenrolar da discussão
O governador Beto Richa ainda não tem uma posição a respeito do assunto e prefere aguardar o desenrolar da discussão na Câmara Federal. Encaminhada por sua assessoria, a resposta do governo foi a seguinte. “É uma decisão que demanda muita responsabilidade, se preocupando com a questão ambiental e dos cidadãos do entorno”. Já o secretário estadual de Meio Ambiente, Luiz Eduardo Cheida, se manifestou contrário à reabertura. “Ao abrir a estrada, estamos criando mais uma demanda para o precário sistema de gestão das unidades de conservação”, afirmou.
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