Por Gabriel Castro, de Brasília, para VEJA.com
José Jorge de Vasconcelos Lima está de malas
prontas para retornar ao Recife após 32 anos em Brasília. Ele já foi
deputado, senador, ministro de Minas e Energia e presidente da Companhia
Energética de Brasília (CEB) antes de ser indicado pelo Congresso
Nacional para uma vaga no Tribunal de Contas da União (TCU), em 2008.
Como vai completar 70 anos na terça-feira, será aposentado
compulsoriamente do posto.
Em entrevista ao site de VEJA, o ministro diz
que o tribunal já não confia nos números apresentados pelo governo, diz
que a manobra fiscal para abandonar o superávit primário foi feita para
“enganar” e afirma que a situação do sistema energético é pior do que
aquela que motivou o racionamento, em 2001. “São Pedro não resolve, tem
que ser Deus”, diz ele.
Qual é a situação atual do setor elétrico? A
situação é péssima. Todos os problemas começaram com a edição da medida
provisória 579. Essa MP foi uma tentativa que o governo fez de diminuir a
tarifa de todo o setor elétrico em 20% quando, na realidade, não havia
as condições econômicas e nem disponibilidade de energia suficiente para
que isso fosse feito. Porque, como qualquer produto, no momento em que
você diminui o preço da energia você incentiva o consumo. Se você
diminui o preço da banana, provavelmente alguém que não comia banana vai
passar a comer.
Essa medida foi feita com objetivos políticos,
como uma medida popular. A própria presidente foi para a televisão
anunciar. Eles iriam fazer isso se utilizando da seguinte questão:
algumas das principais hidrelétricas teriam o seu prazo de concessão
vencidos agora, entre 2013 e 2016. E o governo queria antecipar esse fim
da concessão indenizando as empresas e fazendo com que aquela energia
que já estava com o custo do investimento pago fosse distribuída para as
distribuidoras pagando apenas os custos operacionais, não mais os
investimentos, que já estavam amortizados.
A outra ideia seria licitar novamente, pegar o
dinheiro e investir em energia. A ideia em si de distribuir essa
energia quase gratuitamente não é ruim. A forma que foi feita e o
momento em que foi feito é que foram inadequados. Por exemplo:
naquele momento havia um risco hidrológico. Terminou que deu tudo
errado.
Quando a medida provisória foi elaborada, em 2012, já havia indícios claros de que a situação poderia se tornar crítica? Exatamente.
Além disso, nem todas as geradoras aceitaram o acordo. Só as federais.
Com isso, a oferta que iria ser apresentada pela distribuidora não foi
completa e as distribuidoras ficaram descomportadas. E isso é deixar de
lado um dos pilares do modelo energético: as distribuidoras têm que
ficar 100% contratadas.
Com isso, elas são obrigadas a comprar energia
no mercado spot. A distribuidora paga a energia vamos supor a cento e
poucos reais por megawatt, passou a pagar 700, 800, e a cobrar cento e
poucos, porque isso só vai ser corrigido na próximo reajuste. As
distribuidoras entraram em colapso. Tem empresa que está com 20% do
valor de mercado. Todas as transmissoras hoje têm 30% da receita que
tinham em 2012. E a despesa é a mesma. Tem os mesmos custos. Então a
situação é muito difícil. Por isso que São Pedro não resolve, tem que
ser Deus.
Nesse processo iniciado em 2012, pode-se dizer que a tendência é piorar ou o pior já passou? Não,
a pior fase não passou ainda. Eu até disse no meu discurso de despedida
que nós estamos nas mãos de São Pedro, mas não estamos: nós estamos na
mão de Deus. Não é só de chuva que precisa – embora precise de chuva
também, porque os reservatórios do Nordeste estão em 14% e os do Sudeste
em 17%. Isso é menos que na época do racionamento de 2001.
Saiu uma reportagem mostrando que, do ponto de
vista dos custos, o prejuízo já foi o dobro da época do racionamento.
Porque na época do racionamento nós enfrentamos. Eu fui ministro na
época. Quando levei ao presidente a situação para que nós tomássemos as
providências, eu só tinha doze dias de ministro. E essa equipe que está
cuidando disso tem doze anos.
Quando os cabeças do sistema elétrico na época
tiveram a primeira reunião comigo e me mostraram as estatísticas eu
disse: “A gente tem que tomar providência ontem”. Aí fui ao presidente e
ele disse: “Não é possível, isso vai dar a maior crise política”. Aí eu
mostrei os números e ele me autorizou, fui para a televisão, fizemos o
racionamento e foi um case vitorioso. Porque terminou que se
escapou sem maiores prejuízos. A imprensa colaborou, a população
colaborou. Todo mundo trocou lâmpada, desligou frezeer, economizou e
quando o país saiu do racionamento, saiu com sobra de energia.
O governo sempre demonizou o período
de racionamento, inclusive para fins eleitorais. O senhor acha que isso
explica a resistência da presidente Dilma em tomar medidas para
economizar energia? Já devia ter feito. Acho que não fizeram
pelo motivo que você mencionou. Mas eles estão aumentando o risco para
eles mesmos, porque pode chegar um momento em que eles vão ser obrigados
a fazer em uma situação muito pior do que poderiam ter feito antes.
Não tem mais térmica para ligar. A água está
acabando, todo dia aparece na televisão. E na hora em que você for fazer
um racionamento ou uma racionalização que seja vai ser num momento de
colapso. Vai ser muito mais difícil. Sem falar no colapso financeiro,
que não chegou a haver na época de racionamento e está havendo agora.
O cálculo que o TCU fez é que é em 2013 e 2014
os consumidores economizaram cerca de 32 bilhões por ano com a redução
no preço da energia por conta daquela medida provisória 579. Mas, em
compensação, gerou-se um custo para os próprios consumidores de 61
bilhões, o que significa que é uma espécie de presente de grito. Vamos
ganhar 32 bilhões de desconto e vamos pagar 61 bilhões pela forma errada
como a coisa foi feita. Isso vai ser pago pelo contribuinte e pelo
consumidor. Só que no setor elétrico são as mesmas pessoas: ele paga
imposto e paga a conta de energia.
É uma situação muito grave, tem que ser
enfrentada. Infelizmente, por enquanto, não está sendo enfrentada. A
crise vem sendo negada. E as empresas não podem falar muito porque de
certa maneira estão nas mãos do governo. Quanto mais frágil a empresa
mais na mão do governo ela fica.
A presidente Dilma foi ministra de
Minas e Energia e tem fama de que conhece o setor. O senhor acha que ela
ignora esses riscos? Acho que ela não ignora, porque a
carreira dela começou como secretária de Energia do Rio Grande do Sul.
Depois ela foi ministra de Minas e Energia, chefe da Casa Civil. E é a
comandante-em-chefe do setor até hoje.
Ela sabe perfeitamente; apenas acredita que
pode sair dessa situação sem que se tenha nem mesmo uma racionalização.
Eles não quiseram fazer nenhum pedido de economia de energia como fez em
São Paulo com a água. Estão sempre dizendo que tem. Só que a água vai
faltando aos pouquinhos. E a energia é diferente. Quando falta, falta de
uma vez. É um sistema integrado.
O que é preciso fazer para reduzir o risco de desabastecimento? Primeiro
precisava economizar o consumo. Teria que fazer isso, porque você não
pode esperar os reservatórios baixarem para menos de 14%. É muito risco.
Segundo, tem que chover muito. Terceiro, o governo tem que botar a mão
no bolso. Mas tem um inconveniente: o governo já não tem dinheiro.
Desistiu do superávit primário.
Há uma espécie de argentinização das contas
públicas. Hoje em dia os agentes públicos e privados já não acreditam
mais nas contas que o governo apresenta. Cada um acredita nas próprias
contas. Não dá pra confiar mais, como aconteceu na Argentina com a
inflação. E isso já há um tempo. Em 2012 eu fui relator das contas do
governo e afirmei isso.
Então o governo vai ter que pagar uma parte
desse prejuízo como vem pagando através dessa ACDE. Vai ter que botar
esse dinheiro, que se estima em 61 bilhões. E uma parte dessa vai ser
paga pelo consumidor. Houve um empréstimo de 17, pouco bilhões e os
consumidores vão pagar 26. O resto é de juros. Vai ser criado um encargo
e especial que você vai pagar na sua conta de luz. Fora isso tem os
aumentos das contas.
Teve um em Roraima que aumentou 54% e só no
Rio de Janeiro o aumento foi de 20 e poucos por cento. Então se perdeu o
controle porque nesse aumento agora já estão incluídos os custos das
térmicas. Estou achando que a partir do ano que vem os aumentos tendem a
ser maiores ainda.
O caso da “argentinização” nocivo à credibilidade do governo? Estão usando
um instituto público para você dar um dado errado à população. Isso
fere a credibilidade. Aqui, por exemplo, você diz o superávit primário
vai ser 2% do PIB, mas não vai incluir o que eu gasta com isso ou com
aquilo. No fim dá um superávit, mas aquilo não é um superávit real.
Porque aquele dinheiro não existe. É uma situação feita para enganar. Só
que não engana: quando isso chega ao extremo, como está chegando agora,
as pessoas esquecem essa conta e cada um faz a sua.
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