Em vez de insistir em programas ficcionais, Brasil deveria adotar medidas genuínas para atenuar o esfrangalho da saúde no país
Miguel Srougi
O Ministério da Saúde e os médicos brasileiros têm percepções inconciliáveis quando se expressam sobre o programa Mais Médicos e a respeito da saúde da nação. Recentemente, as mais altas autoridades do governo divulgaram que o programa mudou a vida de 63 milhões de pessoas, que agora recebem atendimento acolhedor e competente.
Enfatizaram que o Mais Médicos aumentou o número de consultas e anunciaram a abertura de milhares de vagas em novos cursos de medicina para atenuar a carestia de profissionais. Arremataram afirmando que os médicos brasileiros resistiram ao Mais Médicos por interesses corporativos e ideológicos.
Protagonistas de um sistema de saúde pública arruinado pela inépcia, os médicos da nação não compreenderam o discurso oficial, desconectado da realidade e adornado por preconceito injusto.
Nenhum médico brasileiro ou de outra nacionalidade ignora a necessidade de se produzirem mais médicos, dada a carência e sua má distribuição. Um médico é sempre melhor do que nenhum, sobretudo nas comunidades carentes. Nem por isso a classe médica é obrigada a aceitar um programa implementado de forma ilegal, não resolutiva e divulgado de maneira falaciosa.
Segundo o TCU (Tribunal de Contas da União), que auditou o Mais Médicos, o programa viola o artigo 5º da Constituição, pois brasileiros e estrangeiros residentes no país têm direitos iguais à vida, à liberdade e à igualdade.
O Mais Médicos acolheu 18.240 médicos, dos quais 11.429 cubanos. Estes, pessoas amistosas e resignadas, estão vivendo no Brasil confinados, sem liberdade de ir e vir, recebendo 30% do que auferem seus colegas estrangeiros e brasileiros.
Essa óbvia transgressão é agravada por outra ilegalidade intrigante. Pautados por um “contrato obscuro”, o governo transfere para Cuba um adicional de R$ 1 bilhão ao ano, além dos salários. Esses recursos são entregues a uma “empresa anônima, cujos proprietários são desconhecidos”. Confesso que o incômodo fica insuportável quando tento imaginar quem são eles.
O TCU revela também que existe “grande inconsistência na aferição dos resultados do programa”, colocando em dúvida números majestosos apresentados oficialmente.
Como ressalva minha, se é verdade que 18.240 médicos atendem bem a 63 milhões de brasileiros, a felicidade poderá ser esparramada pela pátria, importando-se mais 25 mil médicos, inclusive cubanos.
Estaremos encerrando o padecimento interminável de 150 milhões de usuários do SUS, a um custo irrisório, cerca de R$ 4,5 bilhões por ano. Menos de 5% do Orçamento federal destinado à saúde e muito pouco, perto dos R$ 88 bilhões surrupiados somente da Petrobras. Preciso explicar porque ninguém se interessou por solução tão simples?
Ademais, segundo o Tribunal Contas da União, nas cidades inseridas no projeto, o número de consultas aumentou, em média, 19%.
Sem dúvida, mais brasileiros tiveram suas aflições abrandadas, mas, dado o nível de degradação da saúde, esse incremento é risível para se proclamar a nascença de um grande programa de assistência.
A experiência recente mostra que verdade e competência não representam virtudes marcantes dos nossos governantes. Por isso, em vez de insistir no discurso e em programas ficcionais, as autoridades da saúde deveriam adotar medidas genuínas para atenuar o esfrangalho.
Como fazer isso? Acho que não é difícil: destinando à saúde recursos decentes, valorizando o Programa de Saúde da Família, legítimo projeto de amparo aos desassistidos, restaurando a rede hospitalar do SUS e colocando-a sob gestão de organizações sociais sérias.
Também é preciso autorizar novas escolas médicas pautadas pela excelência, não por interesses de grupos predadores, remunerar de maneira justa os profissionais da saúde pública e importar médicos estrangeiros, desde que aprovados em exames de competência, para ajudar legitimamente os brasileiros.
Como explicava Geraldo Vandré: “Porque gado a gente marca;tange, ferra, engorda e mata; mas com gente é diferente”.
Miguel Srougi, 68, é professor titular de urologia da Faculdade de Medicina da USP, pós-graduado em urologia pela Universidade Harvard (EUA) e presidente do Conselho do Instituto Criança é Vida
Miguel Srougi
O Ministério da Saúde e os médicos brasileiros têm percepções inconciliáveis quando se expressam sobre o programa Mais Médicos e a respeito da saúde da nação. Recentemente, as mais altas autoridades do governo divulgaram que o programa mudou a vida de 63 milhões de pessoas, que agora recebem atendimento acolhedor e competente.
Enfatizaram que o Mais Médicos aumentou o número de consultas e anunciaram a abertura de milhares de vagas em novos cursos de medicina para atenuar a carestia de profissionais. Arremataram afirmando que os médicos brasileiros resistiram ao Mais Médicos por interesses corporativos e ideológicos.
Protagonistas de um sistema de saúde pública arruinado pela inépcia, os médicos da nação não compreenderam o discurso oficial, desconectado da realidade e adornado por preconceito injusto.
Nenhum médico brasileiro ou de outra nacionalidade ignora a necessidade de se produzirem mais médicos, dada a carência e sua má distribuição. Um médico é sempre melhor do que nenhum, sobretudo nas comunidades carentes. Nem por isso a classe médica é obrigada a aceitar um programa implementado de forma ilegal, não resolutiva e divulgado de maneira falaciosa.
Segundo o TCU (Tribunal de Contas da União), que auditou o Mais Médicos, o programa viola o artigo 5º da Constituição, pois brasileiros e estrangeiros residentes no país têm direitos iguais à vida, à liberdade e à igualdade.
O Mais Médicos acolheu 18.240 médicos, dos quais 11.429 cubanos. Estes, pessoas amistosas e resignadas, estão vivendo no Brasil confinados, sem liberdade de ir e vir, recebendo 30% do que auferem seus colegas estrangeiros e brasileiros.
Essa óbvia transgressão é agravada por outra ilegalidade intrigante. Pautados por um “contrato obscuro”, o governo transfere para Cuba um adicional de R$ 1 bilhão ao ano, além dos salários. Esses recursos são entregues a uma “empresa anônima, cujos proprietários são desconhecidos”. Confesso que o incômodo fica insuportável quando tento imaginar quem são eles.
O TCU revela também que existe “grande inconsistência na aferição dos resultados do programa”, colocando em dúvida números majestosos apresentados oficialmente.
Como ressalva minha, se é verdade que 18.240 médicos atendem bem a 63 milhões de brasileiros, a felicidade poderá ser esparramada pela pátria, importando-se mais 25 mil médicos, inclusive cubanos.
Estaremos encerrando o padecimento interminável de 150 milhões de usuários do SUS, a um custo irrisório, cerca de R$ 4,5 bilhões por ano. Menos de 5% do Orçamento federal destinado à saúde e muito pouco, perto dos R$ 88 bilhões surrupiados somente da Petrobras. Preciso explicar porque ninguém se interessou por solução tão simples?
Ademais, segundo o Tribunal Contas da União, nas cidades inseridas no projeto, o número de consultas aumentou, em média, 19%.
Sem dúvida, mais brasileiros tiveram suas aflições abrandadas, mas, dado o nível de degradação da saúde, esse incremento é risível para se proclamar a nascença de um grande programa de assistência.
A experiência recente mostra que verdade e competência não representam virtudes marcantes dos nossos governantes. Por isso, em vez de insistir no discurso e em programas ficcionais, as autoridades da saúde deveriam adotar medidas genuínas para atenuar o esfrangalho.
Como fazer isso? Acho que não é difícil: destinando à saúde recursos decentes, valorizando o Programa de Saúde da Família, legítimo projeto de amparo aos desassistidos, restaurando a rede hospitalar do SUS e colocando-a sob gestão de organizações sociais sérias.
Também é preciso autorizar novas escolas médicas pautadas pela excelência, não por interesses de grupos predadores, remunerar de maneira justa os profissionais da saúde pública e importar médicos estrangeiros, desde que aprovados em exames de competência, para ajudar legitimamente os brasileiros.
Como explicava Geraldo Vandré: “Porque gado a gente marca;tange, ferra, engorda e mata; mas com gente é diferente”.
Miguel Srougi, 68, é professor titular de urologia da Faculdade de Medicina da USP, pós-graduado em urologia pela Universidade Harvard (EUA) e presidente do Conselho do Instituto Criança é Vida
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