A sutileza da mudança está na ordem das palavras. Em vez de obrigar o governo federal a investir em
educação pública, o texto do PNE (Plano Nacional da Educação) aprovado no Senado exige
investimento público em educação.
De um modo geral, a troca de alguns trechos fez com que o Estado
pudesse incluir no orçamento da educação verbas de programas que incluem
parcerias com entidades privadas.
O texto ainda precisa passar por um longo caminho, mas especialistas
temem que a nova redação tire dinheiro das escolas e instituições
públicas de ensino.
"Na verdade, o que se tentou no Senado foi reduzir a participação da
União no financiamento da educação", afirma o senador Álvaro Dias
(PSDB-PR), que é o relator do projeto na CE (Comissão de Educação),
próxima etapa do texto antes de ser submetido ao plenário.
O PNE é um projeto que estabelece uma série de obrigações até 2020,
entre elas a erradicação do analfabetismo, o oferecimento de educação em
tempo integral e o aumento das vagas no ensino técnico e na educação
superior. Em teoria, deveria ter entrado em vigor em 2011.
Investimento público em educação
Um dos trechos alterados no Senado é o que destina 10% do PIB (Produto
Interno Bruto) para a educação. Na versão da Câmara, a Meta 20 define
que é preciso "ampliar o investimento público em
educação pública". Já no texto dos senadores, "educação pública" é substituída apenas por "
educação".
Com a nova redação, podem entrar na conta do governo ações como o
Prouni (Programa Universidade Para Todos), que dá bolsas em
universidades privadas, além do Fies (Fundo de Financiamento Estudantil)
e de parcerias com instituições conveniadas.
"Somos favoráveis a programas como o Prouni, mas precisamos garantir
que os recursos sejam utilizados preferencialmente pela educação
pública", diz Cleuza Rodrigues Repulho, presidente da Undime (União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação). Na visão da entidade, é
preciso
aumentar a participação da União nos gastos que são responsabilidade dos municípios.
Menos investimento na educação pública
PNE aprovado pela Câmara |
PNE aprovado pela CCJ do Senado | |
Meta 20: ampliar o investimento público em educação pública
de forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do
Produto Interno Bruto - PIB do País no 5º (quinto) ano de vigência desta
Lei e, no mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final
do decênio. |
Meta 20: ampliar o investimento público em educação de
forma a atingir, no mínimo, o patamar de 7% (sete por cento) do Produto
Interno Bruto – PIB do País no quinto ano de vigência desta Lei e, no
mínimo, o equivalente a 10% (dez por cento) do PIB ao final do decênio,
observado o disposto no § 5º do art. 5º desta Lei. |
Meta 11: triplicar as matrículas da educação
profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e
pelo menos 50% (cinquenta por cento) da expansão no segmento público. |
Meta 11: triplicar as matrículas da educação
profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e
pelo menos 50% (cinquenta por cento) de gratuidade na expansão de vagas. |
Meta 12: elevar a taxa bruta de matrícula na
educação superior para 50% (cinquenta por cento) e a taxa líquida para
33% (trinta e três por cento) da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e
quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo
menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas, no segmento público. |
Meta 12: elevar a taxa bruta de matrícula na
educação superior para 50% (cinquenta por cento) e a taxa líquida para
33% (trinta e três por cento) da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e
quatro) anos, assegurando a qualidade de oferta. |
Ensino superior e técnico
No Senado, o PNE também foi alterado para reduzir a obrigação do
governo federal criar vagas na rede pública, tanto no ensino técnico
quanto na educação superior.
Na Câmara, a Meta 11 era triplicar as matrículas da educação
profissional técnica de nível médio, garantindo "50% da expansão no
segmento público". No Senado, porém, um último trecho foi modificado para "pelo menos 50% de
gratuidade na expansão de vagas".
De acordo com a nova redação, a ampliação é possível por meio de
programas que ofereçam bolsas em instituições privadas, como já faz o
Pronatec (Programa Nacional de acesso ao Ensino Técnico e Emprego), mas
não há obrigação de crescimento da rede pública.
Quanto ao ensino superior, a Meta 12 foi alterada para retirar a
obrigação do Estado de criar 40% das matrículas no segmento público,
como aprovado na Câmara. No texto do Senado,
não há menção às instituições públicas nem referência à possibilidade de gratuidade de vagas.
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Divergências
"Isso é muito ruim, porque tira a responsabilidade do poder público de
investir em educação pública. Além disso, o texto do Senado joga a
responsabilidade de ampliação de vagas para o setor privado", diz Marta
Vanelli, secretária-geral da CNTE (Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação).
De outro lado, há quem defenda que a medida pode acelerar o acesso ao
ensino superior. "Expandir as vagas por meio da rede privada é muito
mais fácil do que fazer isso na pública, onde a ampliação é muito mais
cara e demorada", defende Cláudio de Moura Castro, analista de polícias
educacionais e autor do livro "Os tortuosos caminhos da educação
brasileira".
"Com a alteração, a ampliação das vagas pode ser feita por meio de
parceria público-privada, sem nenhuma regulação de fato, e que não vai
colaborar para desenvolver o ensino público de qualidade", afirma Daniel
Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Tramitação
O PNE foi enviado pelo governo federal ao Congresso em 15 de dezembro de 2010 e só foi
aprovado pela Câmara dos Deputados quase dois anos depois, em outubro de 2012, após ter recebido cerca de três mil emendas.
No Senado, o PNE já passou pela
CAE (Comissão de Assuntos Econômicos)
e pela CCJ. Agora precisa ser aprovado pela CE e, em seguida, será
submetido a uma votação em plenário. Caso o texto tenha modificações em
relação ao apresentado pela Câmara (como já está acontecendo), ele deve
voltar e passar por nova votação dos deputados.
"Esses pontos vão ser discutidos, com grande chance de restabelecermos a
redação da Câmara", disse o senador Cyro Miranda (PSDB-GO), que é
presidente da CE. "Vamos fazer audiências para ouvir as entidades
representativas da educação e o governo, especialmente no que diz
respeito ao financiamento da educação", afirmou Álvaro Dias.
Procurado pela reportagem, o MEC (Ministério da Educação) disse que não
comenta o texto do PNE que está em tramitação no Legislativo. O senador
Vital do Rêgo Filho (PMDB-PB), relator do projeto na CCJ, não retornou
aos pedidos de entrevista.