segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Jovens envoldios em acidentes

Um em cada quatro brasileiros mortos em acidentes de trânsito em 2010 tinha entre 20 e 29 anos de idade. No ano passado, foram quase 11 mil óbitos nessa faixa etária, o que corresponde a 26,3% dos 41,7 mil casos registrados no país. O Paraná segue a mesma proporção, com 867 mortes de pessoas entre 20 e 29 anos para um total de 3,4 mil vítimas do trânsito.
O panorama observado nas estatísticas de mortalidade do Sistema Único de Saúde (SUS) mostra a consolidação de um grupo de risco ao volante. Quanto mais jovem o motorista, maior a possibilidade de se tornar uma vítima fatal do trânsito.

Hospitais


Em um fim de semana em Curitiba, 50 ambulâncias com vítimas de acidente de trânsito chegam ao pronto-socorro de um hospital. Grande parte é jovem, andava de moto ou tem presença de álcool no sangue – muitas vezes, esses fatores se acumulam.
Parte das salas cirúrgicas precisa ser previamente reservada para esse tipo de procedimento, sob risco de a instituição não conseguir acomodar a todos os feridos. A equipe de plantão, formada por clínicos, cirurgiões e ortopedistas, é o dobro do necessário há alguns anos. Esses profissionais enfrentam a possibilidade de faltar pinos de platina e titânio: os hospitais não fazem estoque do produto, e as indústrias locais já não conseguem vencer a demanda.
O relato acima é partilhado pelo médico Luiz Felipe Mendes, diretor técnico do Hospital Evangélico de Curitiba. Ele demonstra preocupação com o aumento dos casos, levando em conta que a rede de atendimento encontra dificuldades em expandir na mesma proporção. “Em Curitiba, 70% dos casos de trauma são tratados pela rede privada, com subsídio do SUS. Então não podemos aumentar o número de leitos, porque os atendimentos do sistema público causam prejuízo às instituições”, relaciona.



Ele defende que os investimentos em tratamento sejam ampliados e tenham continuidade. “A diminuição dos acidentes passa pela educação e prevenção, o que não resolve nosso problema imediato”, diz. (OT)

Efeitos

Uma epidemia. É assim que o Ministério da Saúde, responsável por lidar com dengue, gripe A e meningite, qualifica a ocorrência de mortes por acidentes de trânsito no Brasil. Na coordenação do Sistema Único de Saúde, o problema está sendo colocado como uma das prioridades para os próximos anos. “A questão se tornou um problema de saúde pública, porque temos um grande número de mortes precoces e internações”, aponta Marta Silva, coordenadora de vigilância e prevenção de violências e acidentes do Ministério da Saúde (MS).
Marta lembra que o tratamento de um paciente acidentado costuma ser prolongado e caro. Após a resposta imediata, com o deslocamento em ambulância e cirurgia, é necessário um acompanhamento prolongado com fisioterapia. “Isso sem contar as pessoas que ficam com sequelas, demandando gastos para o resto da vida”, complementa. Segundo o ministério, em 2010 foram gastos R$ 190 milhões em 145 mil internações causadas por acidentes de trânsito.
Para tentar reduzir o problema, o MS ampliou as campanhas preventivas. O Brasil aderiu à Década de Ações para a Segurança no Trânsito 2011-2020, uma resolução da Organização das Nações Unidas (ONU), que recomendou aos países criarem um plano de ação para reduzir a mortandade em 50% até o fim da década. Os compromissos assumidos pelo governo brasileiro incluem aprimoramento dos serviços de socorro, melhoria na base de dados do setor, capacitação de recursos humanos e adoção de programas educativos e de prevenção. (OT)
As causas desse fenômeno são, sobretudo, comportamentais. Analistas dos setores de trânsito e de saúde relacionam a impetuosidade da juventude ao simbolismo do automóvel como demonstração de poder, o que estimula atitudes potencialmente perigosas. A imprudência à sinalização e aos limites de velocidade se tornam qualidades e elementos de distinção entre os grupos motorizados.
Sessenta anos depois, o efeito James Dean – ator símbolo da “Juventude Transviada” – ainda se faz presente no tráfego urbano. “O jovem é mais atirado nas coisas, e acha que nada vai acontecer com ele. E a nossa cultura faz apologia da velocidade, relacionando o dirigir rápido à noção de superioridade”, compara o especialista em trânsito José Mario de Andrade, diretor de uma empresa de tecnologia de segurança e gestão do tráfego.

Motos

No caso específico do Brasil, o aumento da frota de motocicletas também contribui para agravar o problema. Ao todo, as motos estiveram envolvidas em 25% dos acidentes registrados em 2010. Isso ocorre não apenas porque o veículo é comprovadamente menos seguro que o automóvel, mas também pela expansão do serviço de motoboys, grande recrutador de jovens. “No interior, percebemos casos ainda mais graves de desrespeito à legislação, como a falta de capacete. A moto se tornou, inclusive, uma opção mais barata que o transporte público”, comenta Marta Silva, coordenadora de vigilância e prevenção de violências e acidentes do Ministério da Saúde.

Bebida

O risco é agravado pela somatória de outros comportamentos, notoriamente o consumo de álcool. “Nos fins de semana, percebemos que a maioria dos acidentados que dão entrada na emergência ingeriu bebidas alcoólicas”, destaca Luiz Felipe Mendes, diretor técnico do Hospital Evangélico de Curitiba.
O peso da bebida na contagem de mortes no trânsito é perceptível na comparação de morte em anos recentes. Em 2009, o Brasil teve redução no número de vítimas fatais pela primeira vez na década. Naquele ano, o país registrou 37,6 mil óbitos, somando todas as idades, ante 38,3 mil no ano anterior. O Ministério da Saúde relaciona essa queda aos primeiros meses de implantação da Lei Seca, quando a fiscalização foi mais apertada.
Em 2010, porém, a contagem voltou a subir, e o ano passado fechou com 41,7 mil mortes em acidentes. “Logo que saiu a Lei Seca, ocorreram mais blitze educativas e repressivas, então a população mudou o comportamento durante aquele período”, relaciona Marta. “Infelizmente, precisamos de ações contínuas para mudar esse quadro. Quando não há controle, as pessoas param de ser cuidadosas”, lamenta.

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