terça-feira, 1 de dezembro de 2015

A presidente é Dilma mas quem governa é Lula


Publicado na revista EXAME
É coisa sabida há muito tempo que o Brasil, depois de todos os tipos de experiência, vive agora um novo modelo de organização política – a República sem presidente. No Diário Oficial, o cargo é atribuído à cidadã Dilma Rousseff, que vai a assembleias-gerais da ONU, por exemplo, ou a outros eventos sociais em que é requerida a presença de algum tipo de presidente da República, mas no mundo dos fatos concretos ela não preside nada há mais de um ano, pelo menos.
Deixou de exercer as funções de chefe do governo e da nação em algum momento de sua inesquecível campanha eleitoral de 2014, quando reduziu a Presidência a uma operação de marketing destinada unicamente à sua própria reeleição — junto com isso, usou sem a menor cerimônia o Tesouro Nacional para ganhar votos e terceirizou o governo para todos os diabos que lhe financiaram os 300 milhões de reais gastos em sua campanha. Depois de empossada no segundo mandato, e preocupada apenas em não ser deposta, nunca chegou de fato a governar; até hoje ninguém sabe o que Dilma quer, nem ouviu dela nada que pudesse ser chamado de “ideia”. De uns tempos para cá, enfim, deixou caracterizado o abandono de cargo — hoje não é ela quem demite e nomeia sequer os próprios ministros. “Fora Dilma”? Ela já foi. Ainda está lá de corpo presente, mas não está. Quem está é o ex-presidente Lula.
Um dos primeiros resultados desta situação já é bem visível para o público em geral: é nele, Lula, que vale a pena prestar atenção quando se pensa em governo no presente momento. Não resolve tudo sozinho, claro, mesmo porque ninguém resolve, e não pode resolver tudo como quer, mas não há nenhuma outra força maior do que a sua neste infeliz segundo mandato de Dilma Rousseff; é pura perda de tempo, no fundo, ficar procurando razões junto a uma presidente cujo impeachment já foi virtualmente aplicado por seu criador. Tudo bem, mas acompanhar os movimentos de Lula não parece estar sendo muito útil para se ver a situação com mais clareza, a começar pela economia. O que o ex-presidente pretende fazer? O mais provável é que nem ele saiba direito — ou melhor, até sabe o que quer, mas em termos concretos ainda não sabe como chegar lá.
Lula (e mais um monte de gente) tem certeza de que não dá para ficar olhando passivamente uma recessão de 3% ao ano, como está acontecendo em 2015 — um desastre de tamanho inédito que não pode ser aceito para 2016, 2017 e sabe-se lá quanto tempo mais. Não pode ser aceito, sobretudo, pelo próprio Lula. Seria um veneno provavelmente fatal para o projeto mais importante, talvez o único, que tem: voltar à Presidência da República nas eleições de 2018, pois está convencido de que nem ele, nem o PT conseguirão sobreviver politicamente fora da máquina do governo. Seu retorno ao Palácio do Planalto seria também o atalho mais eficaz, aparentemente, para ele se livrar de sua atual coleção de problemas potenciais perante a Justiça Penal. Assim estamos, portanto: a economia tem de se recuperar com urgência, pois com recessão não existe Lula em 2018.
A complicação é de bom tamanho, pois as estratégias do ex-presidente para reagir às calamidades fabricadas por sua criatura não inspiram maior confiança, pelo menos até agora. Lula parece acreditar que, demitindo o ministro Joaquim Levy e colocando algum outro em seu lugar (tem se falado muito em seu velho parceiro Henrique Meirelles), o grosso do problema vai embora. Imagina, também, que o governo pode liquidar a recessão assinando medidas administrativas — menos juro, mais crédito, menos competição, mais favores a empresas que prometem “empregos”, menos saneamento fiscal, mais gasto público, mais dívida, mais imposto. Acha que resultados duvidosos do passado são garantia de sucesso futuro — e continua convencido de que, no fundo, tudo se resolve com “comunicação” e “imagem”.
Sai Dilma e entra Lula, pelo que se vê — mas, na prática, o que isso pode resolver? Vai ser preciso combinar com a realidade, e aí sempre fica difícil.

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