Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
Ela simplesmente quis tirar o corpo fora de um negócio altamente suspeito, investigado pelo Ministério Público, Tribunal de Contas e Polícia Federal devido aos prejuízos causados à estatal, que pagou US$ 1,18 bilhão por uma refinaria negociada a US$ 42 milhões sete anos antes.
Pela singeleza da nota oficial divulgada pela assessoria de comunicação do Palácio do Planalto, transferindo sem mais nem menos a responsabilidade a um resumo "incompleto" da diretoria internacional da Petrobrás, a presidente da República acreditou-se na posse dos mesmos poderes do antecessor a quem todos se dobravam calados e reverentes.
Fez o que lhe deu na cabeça, talvez estimulada pelos conselheiros eleitorais que a colocam na rota de gestos passíveis de repercussão popular. Dilma tinha em mãos um texto redigido por Graça Foster, dizendo em síntese que o caso da refinaria estava aos cuidados dos órgãos de fiscalização. Saída pela tangente.
A presidente não quis. Rasgou a nota e fez outra, ela mesma, provavelmente na tentativa de se mostrar "verdadeira" diante do eleitorado. De imediato, contabilizou inúmeros prejuízos, a começar por levar o tema que estava aos cuidados da polícia e do Tribunal de Contas para dentro do Palácio do Planalto.
Causou espanto no PT, que não conseguiu articular uma defesa. Ofereceu de bandeja um assunto para a oposição, abriu espaço para que seja criada uma comissão de inquérito para investigar esse e outros negócios da Petrobrás, pôs lenha na crise com o Congresso e deu mais um empurrão ladeira abaixo na empresa em momento já bastante delicado de preços de combustíveis defasados, perda de valor de mercado e risco para a classificação do grau de investimento.
Na estatal o clima é de beligerância total contra a presidente.
Primeiro porque é considerada inaceitável a versão dada por ela sobre a documentação incompleta, uma vez que os resumos para orientar as decisões do Conselho de Administração podem não conter todas as informações, mas eles são sempre acompanhados dos processos completos aos quais os conselheiros têm acesso a qualquer tempo.
E, depois, a maneira como Dilma apresentou a questão deu a impressão de que a Petrobrás é uma empresa sem governança, desprovida de controles, comparável a um armazém de secos e molhados. A presidente quis usar a estatal à sua conveniência e a corporação sentiu o golpe.
Publicamente não haverá reação, mas a falta de respaldo às declarações da presidente da República é eloquente. A presidente da empresa ficou em silêncio, bem como os outros participantes da reunião em que foi aprovada a compra da refinaria. Satisfeito com a atitude de Dilma ninguém está no governo nem no PT. Ao contrário. O mínimo que se ouve é que ela mais uma vez fez uma "trapalhada", piorou uma situação que já era ruim no momento mais inadequado possível.
A presidente está desprovida de defesas no Congresso, de onde é quase certo que virão convocações da presidente atual, de ex-presidentes da Petrobrás, de conselheiros e do diretor responsável pelo parecer que Dilma considerou "técnica e juridicamente falho", Nestor Cerveró. Funcionário de carreira, com 30 anos de empresa, dificilmente vai se acomodar de modo confortável à sinuca em que a presidente o colocou.
A saída do governo será trabalhar para evitar as convocações e a CPI. Tarefa complicada no cenário de conturbação na base governista, hoje muito mais interessada em dificultar que em facilitar a vida da presidente da República.
Nesse quadro, se custar caro ao Planalto ainda sairá barato porque nessa altura é possível que já não tenha preço que pague a imposição de novas derrotas a Dilma.
Pode ser que a presidente encontre abrigo na oposição, caso prevaleça a voz contrária do ex-presidente Fernando Henrique à criação da CPI da Petrobrás. Mas, nesse caso o pressuposto seria um pedido de arreglo que contrariaria os interesses de parte a parte.
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