Por Reinaldo Azevedo - Veja Online
O
que mostra a cara é Vitor Miguel dos Santos da Silva. O outro é um
“menor”. É o “F”. Não pode ter nem nome nem imagem divulgados. São dois
dos assassinos da dentista Cinthya Magaly Moutinho de Souza. Eles jogaram álcool em seu corpo e atearam fogo. Vejam de novo:
não são mesmo a cara da subnutrição, da pobreza, da esqualidez, do
desamparo, da carência de vitaminas, proteínas e sais minerais? Então
não é verdade que a gente olha pra eles e vê, coitadinhos, que a miséria
impediu o devido processo de mielinização, e eles se transformaram
nesses seres deformados, verdadeiros quasímodos espirituais, o que os
impediu de ganhar senso de moral e justiça. Tenham paciência!
Sim,
leitores, entre os três “suspeitos” — a palavra é um jargão jurídico
porque não houve condenação — da morte da dentista, em São Bernardo,
está aquele pobre menor, que, como se vê, enfrenta as agruras do
raquitismo… A morte do estudante Victor Hugo Deppman foi brutal,
estúpida, incompreensível para nós. E a de Cinthya? Aos bandidos, não
bastava eliminá-la. Escolheram o caminho mais cruel que conseguiram
imaginar na hora. Com essa turma, nada de tiro de misericórdia. Eles
queriam que ela sofresse por ter apenas R$ 30 na conta bancária. Queriam
mais grana. Achavam que ela tinha a obrigação de lhes fornecer mais.
Ou, então, a morte dolorosa. Estes dois não estavam dispostos a pôr seus
músculos para trabalhar. Preferiram usar a força e sua imensa covardia
para tomar o que os outros conseguiram com o seu próprio esforço.
O
menor vai ficar, no máximo, três anos internado na Fundação Casa. Ainda
que se estenda um pouco o prazo, o que é possível, não ficará além dos
21 em nenhuma hipótese. E agora? Mais uma vez, vamos ouvir a gritaria:
“Nada de legislar sob emoção! É preciso esperar a poeira baixar!” Se as
leis não mudam quando os problemas aparecem, então mudam quando?
Em
três anos, esse rapaz que incendeia pessoas estará nas ruas. Não
saberemos o seu nome. Sua ficha estará limpa. Se ele quiser se
candidatar a guardinha de jardim de infância, pode. Se ele quiser fazer
um curso para integrar alguma empresa privada de segurança, pode. Mais
ainda: se ele quiser integrar as forças regulares e oficiais, também
pode. Daqui a três anos, estará a apto, a depender da escolha que faça, a
ser portador de uma arma legal.
“Ah,
mas baixar a maioridade penal não adianta…” Eu não tenho a menor ideia
do que significa a expressão “não adianta”. O que querem dizer com isso?
“Não adianta” para quê e para quem? Não resolverá todos os problemas de
segurança, sei disso. É provável que nem mesmo baixe os índices de
violência ou a taxa de homicídios. Mas “adianta”, sim. Não teremos
homicidas à solta por aí. E, sobretudo, não teremos homicidas à solta e
impunes.
Cinthya
Magaly Moutinho de Souza e Victor Hugo Deppaman integrarão
estatísticas. Suas respectivas mortes comporão os números da taxa de
homicídios. Mas eram pessoas, com famílias, com vínculos afetivos, com
passado, com futuro, com sonhos, com anseios.
Que
diabo de sociedade é essa que estabelece um conceito de “adolescência”
que outorga àqueles que sob ele são abrigados o direito de matar? “Ah,
Reinaldo, há punição, sim…” De três anos? Quanto vale a vida humana no
Brasil? A depender de como caminhem as coisas, bastará, para aliviar
parte da punição dos outros, que o menor assuma a responsabilidade. A
sua “não-pena” já está definida.
O
governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que encaminhou ao Congresso,
por intermédio da bancada do PSDB, um projeto de lei que aumenta de três
para oito anos o tempo máximo de internação de menores que cometem
crimes hediondos, comentou o caso: “Lamentavelmente, mais um menor [está
envolvido], a gente tem visto menores em crimes extremamente hediondos.
Mais um menor, mas a polícia agiu rápido (…) É inconcebível que quem
tem 17 anos e 11 meses cometa crimes hediondos e não passa de três anos
na Fundação Casa. (…) O ECA é uma boa lei para proteger o direito da
criança e do adolescente, mas não dá respostas a crimes muitos
reincidentes e crimes hediondo, homicídio qualificado, latrocínio,
extorsão mediante sequestro, estupro, estupro de vulnerável”.
É
isso. Trata-se de mera questão de bom senso, não de uma disputa de
caráter ideológico, entre a “direita penal” e a “esquerda penal”. O
governador disse outra coisa óbvia, para a qual se tenta virar as
costas: “A impunidade estimula o delito”.
A
proposta de Alckmin, que fique claro!, não muda a maioridade penal, o
que teria de ser feito por meio de emenda constitucional. O que faz é
aumentar o tempo de internação do menor que comete crime hediondo. Eles
permaneceriam internados numa instituição diferenciada; não iriam para
presídios comuns, mesmo depois de atingida a maioridade.
A Maria do Rosário não quer.
O Gilberto Carvalho não quer.
A Dilma Rousseff não quer.
Só resta entregar o menor raquítico aos cuidados de Maria do Rosário, Gilberto Carvalho e Dilma Rousseff.