segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Lula deve explicações, e não é sobre a alcova



Do Josias de Souza:
Deve a conduta sexual ser levada em conta na hora de avaliar o desempenho de um chefe de Estado? A resposta é obviamente negativa. O político –como o advogado, o jornalista, o operário, o gari ou qualquer outro— não está livre de ser emboscado pelos impulsos biológicos. É tolice associar as pulsões sexuais ao desempenho funcional de uma pessoa. No caso de um presidente, deseja-se um bom gestor, não um santo.
Informações de alcova sempre se imiscuíram no cotidiano da política. Nos EUA, uma pulada de cerca pode fulminar uma carreira promissora. O caso com uma estagiária da Casa Branca quase custou a Clinton a Presidência. Houve conjunção carnal ou ficou só no charuto?, perguntaram-se os americanos durante meses a fio.
Antes de Clinton, para ficar apenas nos presidentes, houve Kennedy, que se dividia entre Jacqueline e Marilyn. Houve também Roosevelt, que oscilava entre Eleanor e uma secretária. Na França, só à beira da morte Mitterrand trouxe à luz a amante Anne Pingeot, reconhecendo a filha que tivera com ela.
No Brasil, os travesseiros e os lençóis frequentam a biografia de homens públicos desde o Império. Dom Pedro 1o impôs a marquesa de Santos à imperatriz Leopoldina. João Pinheiro Neto contou em livro detalhes do amor secreto que Juscelino nutria por Maria Lúcia Pedroso. Os diários de Getúlio mencionam uma “bem-amada.”
Em 89, Collor mergulhou a campanha presidencial na sarjeta ao trazer para o centro da disputa Lurian, a filha de uma aventura amorosa de Lula. A baixaria foi ao verbete da enciclopédia como um lance torpe. Eleito, Collor teria a hipocrisia desnudada quando se descobriu que ele se recusava a emprestar o nome a um filho que tivera fora do casamento.
Ironicamente, o esquema político que deu suporte a Lula na sucessão de 1998 recorreria ao mesmo expediente sujo. O PDT, partido de Brizola, vice na chapa do PT, levou à sua página na internet um artigo sobre o ‘filho’ de FHC com uma jornalista. Só recentemente, após a morte de Ruth Cardoso, um exame de DNA revelou que a paternidade presumida era falsa.
De repente, ganha o noticiário o relacionamento extra-funcional de Lula com Rosemary Noronha, a Rose, chefe exonerada do escritório da Presidência em São Paulo. Muita gente sabia, inclusive repórteres. Mas a coisa jamais fora guindada às manchetes. Por quê? No Brasil, diferentemente do que ocorre em países como os EUA, a vida privada dos políticos não é tida como tema de interesse público. E é ótimo que seja assim.
O que fez de Rose um assunto incontornável não foi o relacionamento dela com Lula. O que converteu Rose em notícia foi a descoberta de que ela usava a intimidade com o chefe para acomodar malfeitores e familiares na folha do governo e para acomodar nas costas da Viúva negócio$ e vantagen$ pessoais.
Responsável pela introdução de Rose no universo rentável do petismo, José Dirceu apressou-se em fazer sua própria leitura do episódio. Uma leitura enviesada. Para ele, está em curso a “Operação Mensalão 2”. Heimm?!? É “um novo udenismo, que age como no passado, de novo a serviço do conservadorismo e dos privilégios de certa elite que não se conforma e não aceita as mudanças empreendidas no país pelos governos do PT, porque teme perder seu poder e riqueza, acumulada à sombra e às custas do Estado.”
Condenado a dez anos e dez meses de cadeia, Dirceu está na bica de perder a liberdade. Tomado pelas palavras, já perdeu também o senso de realidade. Deve-se a denúncia que levou ao Rosegate ao udenismo de um ex-auditor do TCU. A coisa foi esmiuçada numa investigação da elitista Polícia Federal, em parceria com o conservador Ministério Público.
Rose é, hoje, uma indiciada por corrupção passiva, tráfico de influência e falsidade ideológica. Quem mandou a super-assessora e os protegidos dela para o olho da rua foi Dilma Rousseff. Agiu assim por temer que sua boa imagem fosse tisnada pelas evidências de que uma quadrilha acumulava poder e riqueza à sombra e às custas do Estado.
Dirceu ainda não se deu conta, mas o companheiro Lula tornou-se, de novo, devedor de explicações. Nada a ver com a forma como distribui sua afeição. O que a plateia espera é que o ex-soberano diga meia dúzia de palavras sobre a facilidade com que Rose virava as maçanetas oficiais. O que precisa ser explicado é por que Lula gastou a tinta de sua caneta para nomear os protegidos de sua protegida. O velho bordão do ‘eu não sabia’ ofende a inteligência média.

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