DE BRASÍLIA
FOLHA DE SÃO PAULO
FOLHA DE SÃO PAULO
Afastado de suas funções por tempo
indeterminado por ter conduzido a operação que trouxe ao Brasil o senador
boliviano Roger Pinto Molina, o diplomata Eduardo Saboia, 45, disse ontem (26)
à Folha que assumiu o risco de sua decisão e fez uma ameaça à
chancelaria brasileira.
"Se vierem para cima de mim, tenho
elementos de sobra para me defender e para acusar", afirmou. "Tenho
os e-mails das pessoas, dizendo olha, a gente sabe que é um faz de conta, eles
fingem que estão negociando [a saída do senador da embaixada] e a gente finge
que acredita."
O Itamaraty preferiu não comentar as
declarações.
Católico praticante, ele chorou ao dizer
que "ouviu a voz de Deus" para tirar Molina da embaixada.
Saboia contou detalhes da tensa viagem de
La Paz até a fronteira com o Brasil, na qual Molina vomitou e todos começaram a
rezar quando a gasolina do carro estava quase acabando.
O diplomata conversou com a reportagem em
três ocasiões diferentes, todas antes do anúncio da saída de Patriota --após a
queda, Saboia não foi localizado. Leia abaixo os principais
trechos da entrevista:
A decisão
Eu vinha avisando [o Itamaraty] que a
situação estava em franca deterioração, e a gente tinha que pensar em
contingências, como levá-lo para a residência [oficial da embaixada], para uma
clínica na Bolívia, para o Brasil. Vim a Brasília duas vezes para dizer:
"A situação está ruim, estou sob pressão." Mandei uns 600 telegramas,
falei que era insustentável. Não sou médico nem psiquiatra, mas, diante de uma
situação limite, tomei essa decisão. O médico boliviano atestou dias antes que
ele estava num estágio perigoso de depressão. Ele [o senador] estava com um
papo de suicídio. Aí podem dizer: "Ah, é uma manipulação". Pode ser,
mas é preciso correr esse risco?
Não me arrependo e aceito as consequências.
Ouvi a voz de Deus. Estou amparado pela Constituição e pelos tratados
internacionais assinados pelo Brasil. Fiz uma opção por um perseguido político,
como a presidente Dilma fez em sua história.
'Faz de conta'
Eu
perguntava da comissão [bilateral, para resolver a questão do senador],
e as pessoas me diziam: "Olha, aqui [no Brasil] é empurrar com a
barriga." Ninguém me disse isso por telegrama, porque não são bobos. Mas
tenho os e-mails das pessoas, dizendo "olha, a gente sabe que é um faz
de conta, eles fingem que estão negociando e a gente finge que
acredita". A comissão não tinha prazo para terminar, era um faz de
conta.
Ameaça
O
Itamaraty quer saber o que aconteceu. Vou prestar os esclarecimentos, e
espero que haja sensatez. Se vierem para cima, tenho elementos de sobra
para me defender e para acusar: a questão da omissão... Se a gente
entrar numa questão legal, vai ser uma lavação de roupa suja que todo
mundo vai sair prejudicado. Se quiserem me crucificar, vai ser uma
burrice. Não sou da oposição, votei na Dilma. Mas não podia me omitir. E
foi resolvido um problema político. A situação envenenava as relações
[Brasil-Bolívia], impedia uma viagem da presidente. Tiramos o bode da
sala. Mas, se você me perguntar, "fez bem para minha carreira?", vou
dizer: "Não".
Na embaixada
Você
imagina ir todo dia para o seu trabalho e ter uma pessoa trancada num
quartinho do lado, que não sai? E você é quem a impede de receber
visitas. Aí vem o advogado e diz que, se ele se matar, você será o
responsável. O senador estava havia 452 dias sem tomar sol, sem receber
visitas. Eu me sentia como se fosse o carcereiro dele, como se eu
estivesse no DOI-Codi [centro de repressão do Exército durante a
ditadura]. O asilado típico fica na residência [do embaixador], mas ele
estava confinado numa sala de telex, vigiado 24 horas por fuzileiros
navais.
Viagem tensa
Não
teve pirotecnia, carteirada' ou suborno. Cruzamos a fronteira às
claras. Fomos parados várias vezes, porque a Bolívia tem controles de
pedágio e antinarcóticos. Teve uma hora que eles olharam dentro do carro
com lanterna e tudo, mas nem pediram documento dele. Foram 22 horas,
1.600 quilômetros. Pegamos névoa, gelo, frio. Saímos de 4.600 metros [de
altitude] até 400 metros. Não paramos para nada, foi tudo direto. Só
tinha umas nozes e umas bananas para comer, mais nada. O senador passou
mal, vomitou. Fiquei acordado todo o tempo, conversando com meu
motorista e me comunicando com o outro pelo rádio para saber se ele
estava acordado. Na reta final, fomos ficando sem gasolina e aí
começamos a, literalmente, rezar. Eu, católico, e o senador, evangélico.
Peguei a Bíblia, abri nos Salmos e li. Foi o milagre da multiplicação
da gasolina.
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