Fábio Fabrini e Andreza Matais | Agência Estado
Relator de processos envolvendo o Banco Mercantil do Brasil, o
ministro do Supremo José Antonio Dias Toffoli obteve empréstimos de
valor milionário da instituição financeira. Ao todo, o magistrado obteve
R$ 1,4 milhão em operações de crédito a serem quitadas em até 17 anos.
Com sede em Minas, o banco de médio porte chegou a dar desconto nos
juros dos dois empréstimos realizados pelo magistrado. Esse desconto
assegurou uma economia de R$ 636 mil a Toffoli.
Segundo o
Código do Processo Civil, o Código de Processo Penal e o Regimento
Interno do Supremo, que tem força de lei, cabe arguir a suspeição do
magistrado por parcialidade quando alguma das partes do processo for sua
credora. Toffoli relata ações do Mercantil desde que assumiu a cadeira
no Supremo, em 2009. Dois anos depois, ele obteve os dois empréstimos,
numa operação considerada "pouco usual" até por funcionários do banco.
O
primeiro, de R$ 931 mil, foi concedido em setembro de 2011, em 180
parcelas fixas de R$ 13,8 mil, a serem pagas até 2026. Conforme
escritura da operação, registrada em cartório, Toffoli deu como garantia
de pagamento sua casa no Lago Norte, em Brasília.
Liberado três
meses depois, o segundo crédito, de R$ 463,1 mil, teve pagamento
definido em 204 prestações fixas de R$ 6,7 mil, com vencimento até 2028.
Para assegurar o pagamento da dívida, o banco aceitou o mesmo imóvel de
Toffoli, fazendo uma "hipoteca em segundo grau".
Em ambos os casos, os juros fixados foram de 1,35% ao mês.
As
parcelas inicialmente definidas nos contratos somavam R$ 20,4 mil, mais
que a remuneração líquida de Toffoli no Supremo à época, que girava em
torno de R$ 17,5 mil. Em abril deste ano, após decisões do ministro em
processos do Mercantil, as duas partes repactuaram os empréstimos, por
meio de aditivos às cédulas de crédito originais e transcritas em
cartório.
Conforme os registros, o banco baixou a taxa para
1% ao mês. Com a alteração, a soma das prestações caiu para R$ 16,7 mil
mensais - representa um comprometimento de 92% dos ganhos atuais do
ministro no Supremo.
Toffoli afirmou ter outras fontes de
renda e negou relação entre os processos dos quais é relator e os
empréstimos. O banco não quis se pronunciar sobre o caso.
Mais que VIP
O
Estado consultou dois gerentes da agência responsável pelo
relacionamento com Toffoli, em Brasília. As taxas oferecidas para
empréstimo de mesma natureza a "clientes VIP" variaram entre 3% e 4% ao
mês, com parcelamento em, no máximo, quatro anos.
O
superintendente do Mercantil em Brasília, José Alencar da Cunha Neto,
que representou o banco em uma das operações com Toffoli, disse não ter
participado da negociação com o ministro. Mas afirmou que a redução de
juros, nas condições descritas nas escrituras do negócio, é atípica:
"Não saberia dizer o que aconteceu com a negociação. Confesso que não é
muito usual."
Segundo Cunha, a redução é mais comum quando o
cliente oferece mais garantias do pagamento. Assim, como o risco de
calote fica menor, é possível aliviar os juros. "Durante a vigência de
um contrato, não tem como abaixar a taxa. O que pode ter acontecido é,
num novo contrato, ser dada garantia sobre ele, e aí a taxa ser
abaixada", explicou.
No caso do ministro, conforme documentos registrados em cartório, isso não ocorreu.
No
STF, Toffoli relata processo em que o Mercantil tenta ser compensado
por contribuições que, no seu entendimento, foram feitas em porcentual
maior que o devido ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
Vaivém
Em
junho de 2011, três meses antes do primeiro empréstimo, Toffoli negou
recurso do Mercantil nesse processo. Segundo ele, não cabia reapreciação
do caso, com base na jurisprudência do tribunal, por se tratar de
"coisa julgada" em definitivo.
Depois de concedidos os dois
empréstimos, em janeiro de 2012, ao analisar um agravo regimental do
banco, o ministro suspendeu o processo até o julgamento de outros dois
recursos nos quais foi reconhecida repercussão geral de questão similar à
discutida, ou seja, a possível relativização de "coisa julgada".
A
repercussão geral é um instrumento que permite ao Supremo selecionar
determinado recurso, considerado relevante, para julgamento. A decisão
nesse recurso poderá ser aplicada pelas demais instâncias do Judiciário
em casos idênticos. O uso desse mecanismo reduz a quantidade de
processos enviados ao STF.
Em outro processo sob relatoria
de Toffoli, o Mercantil questiona lei que aumentou de 3% para 4% a
alíquota da Cofins sobre o faturamento de bancos. O processo foi
distribuído ao ministro em 16 de setembro de 2011, 14 dias depois de
feito o primeiro empréstimo. Em 28 de novembro do mesmo ano, ele
reconheceu repercussão geral no caso. (Fábio Fabrini e Andreza Matais)
As informações são do jornal
O Estado de S. Paulo.