Augusto Nunes
Inconformado com a condenação dos companheiros bandidos pelo Supremo Tribunal Federal, Lula repete de meia em meia hora seu diagnóstico sobre o julgamento do mensalão: “É uma hipocrisia”. O ex-presidente nunca escondeu que foge de leituras como o diabo da cruz, o vampiro da claridade e Dilma Rousseff da verdade. Pode-se deduzir, portanto, que nunca viu um dicionário a menos de um metro de distância.Se provavelmente ignora a grafia da palavra que anda recitando, Lula decerto desconhece seu significado. Alguma alma caridosa deveria fazer-lhe o favor de contar que, segundo o Aurélio, hipocrisia quer dizer fingimento, falsidade; fingir sentimentos, crenças, virtudes, que na realidade não possui. Derivada do latim e do grego, a palavra se aplicava originalmente à representação dos atores que usavam máscaras de acordo com o papel interpretado.
Em 1997, por exemplo, Lula usava a máscara de chefe da oposição quando foi incluído no elenco de 52 protagonistas da História do Brasil entrevistados para um documentário patrocinado pelo BankBoston e produzido pela TV1. Numa das salas do Museu do Ipiranga, conversei por mais de uma hora com o então presidente de honra do PT. Ainda convalescendo da derrota que lhe impusera Fernando Henrique Cardoso três anos antes, já estava em campanha para o duelo de 1998.
Fiel ao script ditado pela máscara da vez, o entrevistado caprichou na pose de campeão da ética e da modernidade, pronto para erradicar a corrupção, o populismo e outras pragas que sempre infestaram a política brasileira. O vídeo mostra o que Lula disse sobre Jânio Quadros, FHC e o Congresso. “Enquanto o povo gostar de políticos como o Jânio, nós não saímos do atraso”, começa a discurseira. Confira três trechos:
SOBRE JÂNIO: “Sabe, o populista barato, o autoritário, o que acha que as pessoas tem que ter um chefe que mande, que dê ordem, que use a chibata, sabe, que não tem respeito pelas pessoas, que grita com o jornalista, que ofende os adversários… Eu, pela minha formação política, jamais me prestaria a ser um político desse tipo”.
SOBRE FERNANDO HENRIQUE: “Quando é que a pessoa começa a ficar ditador? É quando a pessoa se sente superior aos demais…sabe, quando a pessoa se sente superior às instituições, às organizações da sociedade civil, quando a pessoa começa a entender que não precisa ouvir mais ninguém, quando a pessoa só tem boca, não tem ouvido, a pessoa começa a ficar com atitude de ditador”.
SOBRE O CONGRESSO: “Eu acho que o parlamento brasileiro funciona como uma espécie de bolsa de valores. A verdade é que as pessoas de boa índole, as pessoas sérias, as pessoas comprometida com as suas concepções ideológica são minoritárias no Congresso. Aquilo é um balcão de negócio”.
Passados 15 anos, o entrevistado incorporou o que Jânio tinha de mais detestável, enquadrou-se no figurino que atribuiu equivocadamente a FHC e faz o que pode para tornar o Congresso mais cafajeste do que era em 1997. O farsante que agora acusa o STF de hipocrisia é um perfeito hipócrita. Mas este talvez hoje seja um dos seus traços menos repulsivos. Os outros são muito piores.
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