terça-feira, 8 de março de 2016

Falta certeza e sobra ódio


por Mario Sergio Conti
O discurso de Lula na sede do PT, pouco depois de ser libertado pelos policiais que o coagiram, foi uma peça oratória de primeira, um grande momento da política nacional. O que não quer dizer que ele tenha dito toda a verdade.
Com a mescla de humor e ira santa que só a dicção popular alcança, Lula fustigou a “prepotência”, a “arrogância” e a “pirotecnia” dos que querem bani-lo da política. Disse que o caçam porque ele reconheceu que os pobres são a solução, e não o problema do Brasil.
É por preconceito, proclamou, que os ricos não toleram que desfrute de um sítio no fim de semana. “Todo mundo pode, menos essa merda desse metalúrgico”, disse. A execração é de classe: “Eles partem do pressuposto que pobre nasceu para comer em cocho. Eu aprendi que não, quero comer comida boa”.
Lula conclamou os que foram iguais a ele, e/ou o elegeram, a defendê-lo. Contrapôs o gado dócil que come em cocho à força feroz da jararaca ferida –ele mesmo e o seu povo.
A eloquência não convenceu quem buscava a verdade nua e crua dos feitos do ex-presidente. Não esclareceu por que o Instituto Lula, bem como a firma que organiza as suas palestras, ganharam R$ 56 milhões em quatro anos.
Como R$ 30,6 milhões vieram de empreiteiras corruptoras, não são só os seus adversários que ficam com a pulga atrás da orelha. Nem apenas os que têm complexo de vira-lata, como insinuou. Os ricos lhe deram dinheiro por amizade? Então Lula está com o povo ou com os amigos, que exploram esse mesmo povo?
Com o espraiar da crise, as explicações racionais e complexas contam cada vez menos. Porque os dois lados têm razão: tanto os que notam o ímpeto em acabar com um governo vindo de baixo como os que apontam o lodo onde parte do PT chafurdou.
Depois de mais de um ano de falatório, as pessoas estão chegando a conclusões. Elas chegam a opiniões que, muitas vezes, se escoram mais na sua formação intelectual e moral, e no lugar que ocupam na sociedade, do que no entendimento da situação. Até porque a atual conjuntura lembra uma partida de xadrez jogada num labirinto.
Com o espiral da crise se ampliando, aos melhores falta certeza e aos piores sobra ódio. Foi o que escreveu W. B. Yeats no final da Primeira Guerra Mundial. O poeta entreviu o apocalipse: a guerra civil europeia que se abrira e, com surtos, se estenderia pelo planeta e pelo século.
As palavras vêm perdendo primazia. A direita está na rua há um ano. Seus partidos inviabilizam qualquer ação do governo no Congresso, e então dizem que Dilma deve cair porque não governa.
A esquerda e os simpáticos a Lula foram chamados a rebater com passeatas e comícios. A primeira posição política a perder pé será o centro, premido que está em se alinhar com uma das forças em confronto. E a força conta mais que a razão, sempre abstrata.
O Brasil não tem instituições como as dos Estados Unidos, onde Nixon teve que renunciar sem um assobio de pressão popular. A comparação com Collor tampouco cabe. Sem fissuras, a sociedade se ergueu contra o presidente, forçando os políticos (exceto Leonel Brizola e Antonio Carlos Magalhães) a se desvencilharem dele.
Agora não é assim. Se a guerra é a continuação da política por outros meios, o inverso também vale: a política é prosseguimento da guerra de maneira diversa. Entre a política e a guerra, haverá luta.
*Publicado na Folha de S.Paulo

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