Diário do Poder
O ministro não tratou com o senador, que estava preso, mas com José Eduardo Marzagão, assessor da estrita confiança do senador. Eles se reuniram duas vezes no gabinete de Mercadante no ministério. As conversas foram gravadas por Marzagão e entregues à Procuradoria-Geral da República por Delcídio, que, em depoimento, disse que o ministro agira a mando de Dilma.
A informação é da revista Veja, que teve acesso às gravações. Na conversa, Mercadante oferece ajuda financeira à família de Delcídio e prometeu usar a influência política do governo junto ao Senado e ao Supremo Tribunal Federal para tentar evitar a cassação do senador e conseguir sua libertação.
Além de dizer a Marzagão que Delcidio deveria ficar "calmo", deixar "baixar a poeira" e não fazer "nenhum movimento precipitado", o ministro prometeu ainda procurar o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para armar um plano de modo a fazer com que o Senado voltasse atrás na decisão, tomada em plenário, ratificando a ordem de prisão expedida pelo Supremo. "Por que é que não pede reconsideração ao Senado? Pode?", questiona o ministro. "Acho que não", diz o assessor. "Em política, tudo pode", ensina Mercadante.
Descrevendo seu plano, Mercadante deixa claro ao assessor que vai tentar "construir com o Supremo uma saída" para Delcídio. Diz que Ricardo Lewandowski, o presidente do STF, poderia libertar Delcídio por meio de liminar, durante o recesso de fim de ano do Judiciário. "O presidente vai ficar no exercício... Também precisa conversar com o Lewandowski. Eu posso falar com ele pra ver se a gente encontra uma saída", oferece Mercadante.
A menção ao STF foi ligeira mas estratégica. Naquela altura, a prioridade da família de Delcídio era libertá-lo antes do Natal. Havia, entretanto, a suspeita de que Teori negaria, como de fato ocorreu, o pedido de habeas-corpus. A oferta de Mercadante remediaria o problema.
Sobre a possibilidade de uma delação de Delcídio, Mercadante diz: "Eu acho que ele devia esperar, não fazer nenhum movimento precipitado, deixar baixar a poeira, ele vai sair, a confusão é muito grande." A primeira conversa entre Mercadante e o assessor de Delcídio ocorreu no dia 1º de dezembro, uma semana após a prisão do ex-líder do governo. A segunda conversa deu-se no dia 9 de dezembro, um dia após a família de Delcídio decidir contratar o escritório do advogado Antonio Augusto Figueiredo Basto, um dos principais especialistas em delação premiada no país. No primeiro encontro com assessor, Mercadante se mostra cauteloso. Diz que Delcídio é "fundamental para o governo", fala em lealdade, promete ajuda e deixa entender que fala em nome da presidente Dilma: "Eu sou um cara leal. A Dilma sabe que se não tiver uma pessoa para descer aquela rampa, eu vou com ela até o final."
No segundo encontro, ainda sob o impacto da notícia da contratação do especialista em delações, Mercadante é mais explícito. Revela seu plano no Judiciário, reclama que por causa dos rumores de acordo com a Lava-Jato nem Renan Calheiros, investigado no STF, nem o governo poderão se mexer para salvar Delcídio. Chega a pedir para que o petista abafe o assunto delação. Diz Mercadante: "Como é que o Renan vai se mexer... Eu sei que ele tá acuado porque o outro vai... Entendeu? Como é que o governo se mexe, porque parece que tem alguma coisa que ele (Delcídio) sabe do rabo de alguém. Então, eu acho que tem que tirar isso (delação) da pauta nesse momento."
Marzagão trabalha com o senador há treze anos. Nos 87 dias em que o petista ficou preso, Marzagão só não fez companhia a ele uma única vez, quando foi ao casamento da filha em Fortaleza. Era Marzagão quem levava e trazia informações, providenciava alimentação e livros, ouvia histórias e compartilhava de desabafos e crises de choro. Antes de procurar o assessor, Mercadante tentou contato com a esposa do senador. O ministro foi repelido com contundência. Maika, a esposa de Delcídio, não escondia a raiva pelo fato de o marido ter se prestado, segundo ela, a fazer serviços sujos para Lula e Dilma, como a tentativa de comprar testemunhas do petrolão, motivo que o levou à prisão. Além disso, Maika sabia que o ministro sempre fora um desafeto de Delcídio no partido. Os dois, senador e ministro, nunca foram amigos, nem mantinham relações amistosas. Por isso, Maika viu a tentativa de aproximação de Mercadante com estranhamento.
Ao ser chamado para uma conversa com um desafeto de Delcídio, Marzagão resolveu gravar tudo, como medida de precaução. Temia ser alvo de uma armadilha tramada pelo governo a fim de desmoralizar o senador, que, como antecipara a revista Veja, ameaçava contar seus segredos às autoridades. O senador e seu assessor também sabiam como o Ministério Público valorizava gravações com tentativas de obstruir a Justiça. Afinal, uma gravação e uma proposta de auxílio financeiro levaram Delcídio à cadeia, acusado de tentar sabotar o trabalho da Justiça. Como Mercadante, Delcídio também queria calar uma testemunha.
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