terça-feira, 5 de abril de 2011

Pernambucanas é multada pela exploração de trabalho escravo


Dias atrás a revista The Economist publicou reportagem de capa desancando a legislação trabalhista brasileira, refletindo os interesses do patronato, nacional e estrangeiro, que não se cansa de bradar contra a CLT e pedir a supressão ou flexibilização dos direitos sociais em nome da redução do chamado custo Brasil. A matéria do Repórter Brasil, reproduzida abaixo, indica que a ausência da lei pode abrir caminho à institucionalização do trabalho escravo.

Grupo de imigrantes sul-americanos submetidos a condições análogas à escravidão foi flagrado costurando blusas da coleção Outono-Inverno da Argonaut, marca jovem da centenária rede varejista Pernambucanas, que se esconde atrás de intermediários, usando o subterfúgio da terceirização e quarteirização da produção. É a lógica capitalista de maximização dos lucros, que só encontra barreira na luta da classe trabalhadora e na legislação social que nasce desta luta. A casa branca, localizada em uma rua tranquila da Zona Norte da capital paulista, não levantava suspeita. Dentro dela, no entanto, 16 pessoas vindas da Bolívia viviam e eram exploradas em condições de escravidão contemporânea na fabricação de roupas.

O grupo costurava blusas da coleção Outono-Inverno da Argonaut, marca jovem da tradicional Pernambucanas, no momento em que auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) chegaram ao local.

Entre as vítimas, dois irmãos com 16 e 17 anos de idade e uma mulher com deficiência cognitiva. No local, a fiscalização constatou a degradação do ambiente, jornada exaustiva de trabalho e servidão por dívida, três traços que caracterizam o trabalho análogo ao de escravo – crime previsto no Art. 149 do Código Penal. As vítimas trabalham mais de 60 horas semanais para receber, em média, salário de R$ 400 mensais.

Descobriu-se que a encomenda das peças havia sido feita pela intermediária Dorbyn Fashion Ltda. – um entre os mais de 500 fornecedores da centenária rede de lojas. O flagrante, registrado em 14 de março, motivou o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) a cobrar cerca de R$ 2,3 milhões da Pernambucanas, soma dos valores referentes a autuações com a notificação para recolhimento do Fundo de Garantia pelo Tempo de Serviço (FGTS).

A Repórter Brasil acompanhou a operação comandada pela SRTE/SP. O cenário encontrado de condições degradantes apresentava diversos riscos à saúde e segurança das vítimas. Não há janelas ou qualquer tipo de ventilação no espaço apertado e quente. A insalubridade, a precariedade e o improviso marcavam tanto os ambientes de trabalho quanto os de descanso.

Alimentos eram armazenados de forma irregular: além da bandeja de iogurte dentro da gaveta, a inspeção se deparou com carnes estragadas. A sofrível estrutura não permitia nem banhos com água quente.

As jornadas de trabalho eram exaustivas, sem pagamento de horas extras. Os "salários" não alcançavam o salário mínimo e muito menos o piso da categoria. Também foram recolhidas anotações referentes a descontos irregulares, artifício comum dentro do esquema de servidão por dívida. As passagens de ônibus para o Brasil eram "pagas" com trabalho intenso de costura.

Na chegada da equipe de fiscalização, os trabalhadores deixaram transparecer a apreensão. "Medo de ter que ir embora sem nada", disse um deles. Um costureiro interrompe o depoimento do outro e poucos falam abertamente sobre as condições em que vivem. Mesmo assim, Joana relatou que "quanto mais rápido se trabalha, mais se pode ganhar".

Ela e seus companheiros de trabalho não tinham, contudo, acesso ao controle de sua produção e nem quanto receberiam por peça. As jovens nunca viram as roupas que produzem na loja e nunca compraram nada nas lojas Pernambucanas.

A primeira pergunta que Joana fez às autoridades presentes veio de chofre: "Eu posso estudar?" A jovem sempre alimentou o sonho de cursar – em sentido inverso percorrido por muitos brasileiros que estudam na Bolívia para se tornar médicos – uma faculdade de Medicina no Brasil.

Ela contou já ter feito o curso preparatório em seu país. A jovem chegara a São Paulo (SP) apenas um mês antes do flagrante. Um táxi teria sido encarregado de trazê-la da rodoviária diretamente até a discreta oficina. Na cidade de El Alto, vizinha à capital La Paz, Joana consertava telefones celulares.

A investigação que chegou até o local começou em agosto do ano passado, quando outra oficina que empregava imigrantes sem documentos e em condições degradantes foi flagrada costurando vestidos Vanguard, marca feminina adulta da Pernambucanas – a Repórter Brasil também acompanhou esta ação e publicará, em breve, outra reportagem com mais detalhes da operação passada.

A partir de então, auditores e auditoras da SRTE/SP decidiram aprofundar as investigações para verificar a eventual repetição das ocorrências constatadas na confecção das peças da Vanguard em outras oficinas irregulares e para coletar subsídios adicionais para embasar as conclusões oficiais.

A fiscalização teve acesso ao pedido de compra do lote (2.748 peças) do "casaco longo moletom – tema Romance Gótico", da Argonaut, que os libertados costuravam no momento da ação. As Pernambucanas pagariam R$ 33,50 por peça à Dorbyn e venderiam a mesma por R$ 79,90. O valor pago pela Dorbyn por blusa à oficina de costura era de R$ 4,30.

Nenhum comentário:

Postar um comentário