quarta-feira, 18 de julho de 2012

Fernando Henrique Cardoso: Epidemia de leis arcaicas e insensíveis prejudica o combate eficaz à Aids

Política & Cia


Ricardo Setti

Fitinhas vermelhas símbolo da luta contra o HIV e a Aids: epidemia de leis arcaicas e insensíveis impede combate mundial eficaz contra a doença

Por sua importância, e pela coragem de defender posturas que investem contra preconceitos, faço questão de divulgar no blog artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso publicado no jornal O Globo no dia 12 passado.

Estamos cada vez mais próximos de acabar com a Aids, mas, infelizmente, uma nova epidemia está dificultando os esforços e tornando a resposta ao HIV prisioneira do preconceito: a epidemia de leis arcaicas e insensíveis.

A Comissão Global sobre HIV e a Lei foi convocada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para debater o assunto e indicar soluções possíveis que ajudem a resolver esse problema. O resultado foi o lançamento recente do relatório “HIV e a Lei: Riscos, Direitos e Saúde“, que não deixa dúvidas: é hora de libertarmos a resposta à Aids com leis menos punitivas e ações mais criativas e ousadas.
As leis que criminalizam a prostituição, o uso de drogas e a atividade sexual entre pessoas do mesmo sexo criam uma cultura do medo e afastam aqueles com maior risco de infecção pelo HIV dos serviços essenciais de saúde. Algumas leis punem a homossexualidade com prisão prolongada, e outras com a pena de morte. Algumas criminalizam a troca de seringas usadas por novas, apesar de evidências comprovadas de esta ser uma ferramenta eficaz de prevenção.

Além disso, dezenas de países penalizam a transmissão e a exposição ao HIV, apesar de essas leis acabarem por afastar as pessoas da testagem e do tratamento.
Ninguém é poupado do impacto negativo de leis ruins: os jovens são empurrados para fora dos serviços de prevenção do HIV e de saúde reprodutiva por leis que exigem o consentimento dos pais; as mulheres estão expostas a riscos inaceitáveis por leis e costumes como o casamento precoce e a mutilação genital feminina.

Igualmente preocupantes são as proteções excessivas à propriedade intelectual que dificultam a produção de medicamentos a preços acessíveis, em vez de fornecer incentivos para o desenvolvimento de remédios baratos para os mais pobres.
Reconhecemos que algumas destas leis podem ter sido implementadas com a intenção de proteger as pessoas contra o HIV. Também reconhecemos que algumas leis foram criadas para sustentar as crenças culturais e morais e os valores daquela sociedade. Mas a história tem provado que as políticas de saúde pública só têm êxito quando são adotadas com base em evidências e nos direitos humanos, não em suposições e ideologia.

Pode ser difícil, mesmo incômodo, reverter leis discriminatórias, mas as leis – como a língua e a cultura – devem evoluir com o tempo. Os líderes locais e nacionais devem assegurar que o sistema jurídico nos mova para a frente. Retroceder, jamais.

Coragem!

A Suprema Corte Indiana em Delhi retirou do seu código penal as leis que criminalizavam a homossexualidade. Guiana e Fiji rejeitaram recentemente leis que tornariam crime a transmissão do HIV. Líderes como o ex-presidente de Botswana Festus Mogae e a presidente do Malawi, Joyce Banda, pedem a descriminalização da homossexualidade nos países em que essa condição é penalizada.

Líderes como o ex-presidente de Botswana Festus Mogae e a presidente do Malawi, Joyce Banda, pedem a descriminalização da homossexualidade.

A Comissão Nacional de Direitos Humanos do Quênia pediu a descriminalização da prostituição. O Vietnã aprovou uma lei que aboliu a prisão de profissionais do sexo. Países como Alemanha, Austrália, Suíça e Irã possuem leis em vigor que garantem aos usuários de drogas injetáveis o acesso a serviços essenciais de saúde.
Quando éramos líderes em nossos países, vimos o impacto social e na saúde causado por leis ruins e adotamos medidas rápidas. Em 1996, o Brasil anunciou que iria oferecer o tratamento com antirretrovirais de forma gratuita para todas as pessoas com HIV/Aids, e mais tarde desafiou as leis internacionais de patentes, de forma que isto permitisse ao Brasil produzir versões genéricas a preços acessíveis de determinados medicamentos anti-HIV.
A Nova Zelândia descriminalizou o trabalho sexual e melhorou a proteção legal para lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Também aprovou leis que incentivam programas de redução de danos para usuários de drogas injetáveis. Em ambos os países as taxas de prevalência do HIV têm permanecido baixas.
A verdade é que, se podemos obter apoio multibilionário para um esforço global para acabar com a Aids, devemos também ter a coragem de implementar leis que justifiquem esse grande investimento.
Pela primeira vez na história da epidemia, temos as ferramentas para reduzir radicalmente a taxa de novas infecções e manter vivos quase todos aqueles que vivem com o HIV. No fim deste mês, líderes mundiais se reunirão em Washington para uma conferência histórica sobre Aids com o objetivo de definir planos para o futuro.
Não podemos permitir que essas leis, prejudiciais e ineficazes, continuem impedindo o caminho para um mundo livre do HIV/Aids.



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