Do Josias de Souza
Ao passar a faixa presidencial para Dilma Rousseff, em 1º de janeiro de 2011, Lula teve o vislumbre das dádivas que o mundo proporciona a alguém que enfia o dedo num favo de mel, lambendo-o em seguida. Nesta terça-feira, 27 de outubro de 2015, Lula completa 70 anos fugindo das abelhas.
Transtornado, o ex-soberano cancelou uma festa que os amigos lhe proporcionariam em São Bernardo. Depois de passar o final de semana praguejando os delatores da Lava Jato e denunciando uma conspiração da mídia e do mundo para “criminalizar” o PT e os petistas, Lula revoltou-se com a batida que agentes federais fizeram na empresa do seu filho Luiz Cláudio Lula da Silva.
Nas últimas semanas, a família Lula da Silva ganhou lugar cativo nas manchetes policiais. Sob suspeita de traficar influência em benefício da Odebrechet, Lula viu-se constrangido a prestar depoimento à Procuradoria da República. O STF deu carta branca a um delegado federal para interrogar Lula na Lava Jato. Um delator disse ter repassado verba suja à nora de Lula. Outro declarou ter quitado com verbas roubadas da Petrobras uma dívida milionária da campanha Lula-2006.
Na véspera do seu aniversário, Lula desconfiava da própria sombra. E de Dilma Rousseff, que muitos acreditam ser a mesma coisa. Em privado, o criador deu asas à suspeita de que a criatura estivesse por trás da varredura da Polícia Federal na firma do seu caçula. Foi preciso que o ministro Jaques Wagner (Casa Civil) entrasse em cena para evitar uma crise maior entre Lula e Dilma.
A desconfiança de Lula é pueril. O pedido de busca e apreensão na firma Luiz Cláudio Lula da Silva foi feito pelo Ministério Público Federal. A ordem foi expedida por uma juíza federal que, em seu despacho, endossou a avaliação segundo a qual é “muito suspeito” que a firma do filho de Lula tenha recebido R$ 1,5 milhão de um escritório de lobby suspeito de comprar medida provisória feita sob medida para uma montadora de automóveis.
À noite, como que convencido de que a pacificação entre Lula e Dilma é ruim para o país, o grão-tucano Fernando Henrique Cardoso instilou numa entrevista de tevêintriga capaz de afastá-los de vez. Dilma é “pessoalmente honrada”, disse FHC no Roda Viva. E quanto a Lula? Bem, aí “tem que esperar para ver”. Para Lula, pior que o ferrão das abelhas, só mesmo o bico irônico de um tucano.
Nunca antes na sua história pessoal Lula passara um aniversário tão amargurado. Paga o preço do poder desmedido. Entre inúmeras desvantagens, a reeleição proporciona a vantagem de, em tese, satisfazer todos os apetites de seus beneficiários. Mas Lula não se contenta com tudo. Convive com o sentimento de que faltou completar algo. E se joga em maquinações e pequenezas numa idade em que deveria pautar-se pela serenidade e grandeza.
A irritação não é boa conselheira para Lula. Se as investigações avançam na sua direção e de seus familiares é porque os investigadores encontraram matéria-prima. Num cenário assim, os ataques a Dilma e a encomenda do escalpo do ministro José Eduardo Cardoso (Justiça) adiantam pouco. Melhor caprichar na defesa. Quanto mais Lula fica fora de si, mais expõe o que tem por dentro.
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