Editora ligada à CUT ocultaria propina destinada ao PT, diz MPF
Ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto. Foto: Luis Macedo/Câmara
São Paulo - A força-tarefa da Operação Lava Jato
reuniu provas como notas fiscais, quebra de sigilos bancários e
confissões de envolvidos para sustentar seu novo pedido de abertura de
processo criminal contra o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e o
ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque - indicação do partido
na estatal - pela lavagem de R$ 2,4 milhões desviados da estatal entre
2010 e 2013.
O Ministério Público Federal aponta que a Editora Gráfica Atitude foi
usada para ocultar o recebimento desse valor referente à propina do PT
paga pelo grupo Setal - parte das 16 empresas acusadas pela Lava Jato de
cartel e corrupção na Petrobrás. O grupo Setal é do executivo Augusto
Ribeiro Mendonça Neto, que virou o primeiro delator da Operação Lava
Jato nesse núcleo de corruptores do esquema da Petrobrás.
Para desviar esses recursos de forma aparentemente legal, Vaccari e
Duque teriam usado dois contratos "de prestação de serviços
ideologicamente falsos" feitos entre duas empresas do Grupo Setal e a
Editora Atitude. Assim, emitiram "18 notas fiscais frias" que cobriram
"22 transferências bancárias fraudulentas" entre o grupo e a editora.
O destino final era o PT. "(Para) viabilizar o recebimento (lavagem)
de vantagens ilícitas sob a forma de ‘doações oficiais’, Vaccari também
foi responsável por, em conjunto com Renato Duque, no interesse próprio e
do PT, receber mediante celebração de contratos frios pela Editora
Atitude, uma parte da propina paga pelo Grupo SOG/SETAL à Diretoria de
Serviços da Petrobras", registra a denúncia contra o ex-tesoureiro do
PT.
Oficialmente, a Editora Atitude tem vínculos com o Sindicato dos
Bancários de São Paulo e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC - ambas
entidades ligadas à CUT ao PT.
Para o MPF, no período entre 2010 e 2013 João Vaccari, Renato Duque e
Augusto Mendonça agiram "de modo consciente, voluntário e reiterado, em
comunhão de vontades e por intermédio de organização criminosa que
integravam".
Contratos
A Lava Jato tem os dois contratos firmados entre a Setec Tecnologia
S.A. e a Editora Atitudeo, do dia 1º de abril de 2010, e a SOG - Óleo e
Gás S.A. e a Editora Atitude, de 1º julho de 2013. Cada um no valor de
R$ 1,2 milhão.
O primeiro contrato foi assinado entre a Setal e a Editora Atitude em
abril de 2010 pelo valor de R$ 1,2 milhão. "Atendendo ao pedido de
Renato Duque, em data incerta, mas próxima ao dia da celebração do
primeiro contrato em 1 de abril de 2010, Augusto Mendonça encontrou-se
com Vaccari, o qual lhe solicitou que, paralelamente ao repasse de
propinas ao PT mediante doações oficiais, repassasse parte das propinas a
tal agremiação, no valor de R$ 1,2 milhão, mediante a realização de
pagamentos à Editora Atitude, sediada em São Paulo."
Segundo a denúncia, o executivo e delator realizou os pagamentos
porque tinha interesse em atender aos pedidos do então diretor de
Serviços da Petrobras e do operador de propina Vaccari para depois fazer
a "baixa das propinas que prometera à referida Diretoria.
O primeiro contrato teve como objeto nominal e fictício "o incentivo
da Setal, para que a Revista do Brasil, edição mensal impressa, com
tiragem de 360 mil exemplares, distribuídos gratuitamente à sócios de
sindicatos e comercializada em bancas de jornais e revista" fizesse a
publicação de conteúdo "noticioso e opinativo sobre temas relacionados
com o desenvolvimento e proteção da indústria nacional no Brasil, no
tocante à área de extração de petróleo e na conversão em seus
derivados".
Foram emitidas 12 notas fiscais da Setal para a Editora Atitude entre
junho de 2010 e abril de 2011 que totalizaram R$ 1,2 milhão. Pelo
contrato firmado, os pagamentos seriam mensais no valor de R$ 100 mil.
Na outra ponta foram identificas as 12 transferências feitas por duas
empresas do grupo Setal, controladas por Mendonça, Tipuana e Projetec,
entre junho de 2010 e novembro de 2011.
"Importante destacar, nesse sentido, que os dados entabulados, por
suas características, notadamente a existência de pagamentos fora dos
períodos corretos em relação às notas, três deles muito posteriores à
emissão dessas, evidenciam que a emissão das notas frias se deu com o
intuito de justificar formalmente ("lavar") o trânsito do dinheiro
sujo", registra a denúncia.
Segundo contrato
Em 2013, Vaccari teria novamente cobrado propina do executivo da
Setal. Nesse período, Duque já não ocupava mais a Diretoria de Serviço,
mas mantinha suas influências, sustentam os investigadores.
Foi feito então o segundo contrato assinado em julho de 2013. Desta
vez com outra empresa controlada por Mendonça, a SOG - Óleo e Gás e a
Gráfica Atitude, também pelo valor de R$ 1,2 milhão.
"A utilização do expediente acima, com a emissão de notas tão somente
para dar aparência de licitude, justificando formalmente, sob prisma
econômico, o trânsito (lavagem) do dinheiro sujo oriundo da empreiteira
administrada pelo denunciado Augusto Mendonça, é sinalizada pela
discrepância do método, pois a primeira linha da tabela retrata a
transferência de valores anterior à emissão da respectiva nota fiscal,
diferentemente do que ocorreu em outros meses."
Provas
Entre as provas coletas, estão ainda a identificação da maior parte
dos depósitos coletadas com a quebra de sigilo bancários das empresas
Tipuana e Projetec, decretada pelo juiz federal Sérgio Moro - que conduz
os processos da Lava Jato - em 2014.
"A partir de tais quebras foi possível comprovar 14 depósitos mensais
por elas realizados à Editora Gráfica Atitude, nos anos de 2010, 2011 e
2013?, registra a denúncia.
"Por meio dessas notas e pagamentos, ocultaram e dissimularam a
natureza, origem, disposição, movimentação, localização e propriedade de
R$ 2,4 milhões provenientes, direta e indiretamente, de delitos de
organização criminosa, formação de cartel, fraude à licitação e
corrupção, por eles praticados em detrimento da Petrobrás", sustentam os
procuradores da força-tarefa.
A discrepância identificada entre o valor das notas fiscais e o
montante transferido se dá em decorrência do desconto de tributos,
explicou o MPF.
Em outra ocasião, o coordenador de planejamento editorial da Gráfica,
Paulo Salvador, afirmou que nunca tratou de patrocínios para a empresa
com o tesoureiro do PT João Vaccari Neto. Salvador, contudo, evitou
responder ao ser questionado sobre a delação do executivo Augusto
Mendonça, que afirmou ter depositado valores na conta da gráfica a
pedido de Vaccari. "Não recebemos nenhuma demanda da Justiça ainda."
Ele afirmou que a empresa não pertence ao PT ou à CUT, mas possui uma
"afinidade política" com a sigla nos temas que aborda em suas
publicações.
O ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto nega todas as acusações
contra ele. Segundo sua defesa, o criminalista Luiz Flávio D’Urso, todas
as doações pedidas por Vaccari são legais.
A defesa questiona as acusações feitas pelo executivo e delator
Augusto Mendonça quanto ao pedido de depósitos feitos para a Setal para
que fossem realizados na Editora Atitude.
"O delator afirma que depositou por suposta orientação do Vaccari
valores na conta de uma gráfica. Isso não é verdade, não aconteceu. Ele
(Vaccari) não tem nenhuma relação com esse delator, muito menos com
esses supostos depósitos a essa tal gráfica." (AE)