PUBLICADO NO GLOBO
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
Que tal um aumento de 15% na conta de luz a partir da semana que vem? Pois é o que os consumidores do Paraná deveriam pagar se o reajuste não tivesse sido cancelado pelo governador do estado, Beto Richa.
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
Que tal um aumento de 15% na conta de luz a partir da semana que vem? Pois é o que os consumidores do Paraná deveriam pagar se o reajuste não tivesse sido cancelado pelo governador do estado, Beto Richa.
A rigor, ele não poderia fazer isso, mesmo sendo uma estatal estadual
a principal distribuidora de energia, a Copel. A empresa é pública, tem
ações negociadas na Bovespa e o reajuste foi determinado pela Agência
Nacional de Energia Elétrica, a Aneel, conforme a estrita regra do jogo.
Mas, sabe como é, 15% na conta de luz quando os manifestantes contra
as tarifas de ônibus nem voltaram para casa? Conversa daqui e dali, todo
mundo quebrou o galho.
A Aneel não poderia revogar a nova tarifa, mas topou suspender seu
“efeito financeiro”, eufemismo para cobrança. A empresa, cujas ações
despencaram quando saiu essa notícia, garantiu ao mercado que será
ressarcida de algum modo, não sabendo quando, nem como.
Acontece que os custos da Copel efetivamente subiram ─ e não por
culpa dela. A inflação fez uma parte do estrago, mas o custo maior veio
da compra de energia mais cara.
Foi o seguinte: choveu pouco, os reservatórios das hidrelétricas
ficaram em níveis muito baixos e o Operador Nacional do Sistema, órgão
federal que administra o setor, mandou ligar as usinas térmicas, movidas
a carvão, diesel e gás, cujo produto é mais caro.
Em resumo, por causa da seca, a energia elétrica ficou mais cara no
Brasil ─ e isso logo depois de a presidente Dilma ter feito a maior
propaganda com a redução que havia imposto nas contas de luz.
Deu a maior confusão, uma sucessão de prejuízos: as hidrelétricas não
puderam gerar, mas tinham que entregar energia, por contrato;
distribuidoras tiveram que pagar mais caro.
A conta deveria ir para os consumidores, mas a presidente não queria.
Assim, inicialmente, arrumaram um arranjo financeiro, com prejuízos
para geradoras e distribuidoras, mas uma hora a conta deveria ser
passada aos consumidores finais, empresas e residências.
Era agora. Além da Copel, nada menos que 17 distribuidoras, divididas
por 13 estados, têm reajustes agendados no calendário oficial da Aneel
para julho e agosto. (A Light, só em 7 de novembro.)
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética, estatal federal que
planeja o setor, Mauricio Tolmasquim, disse que não há orientação do
governo para suspender os aumentos tarifários. Ou seja, a Aneel
continuaria a formalizar os reajustes.
Mas ninguém acredita que serão aplicados, ainda mais depois do
precedente da Copel. Caímos assim em um caso clássico: tarifas
congeladas por razões políticas, mas custos em alta por causa da
inflação e de falhas do sistema. Se continuar assim, a consequência
também é clássica: param os investimentos e o serviço piora.
Os governos ─ federal e estaduais ─ podem assumir parte da conta,
deixando de recolher os impostos. O maior imposto na conta de luz é o
ICMS, estadual. (Nada menos que 29% no Paraná, por exemplo.)
Acontece que os governos também estão sob pressão popular para, numa
ponta, aumentar gasto em transporte, educação e saúde, e, na outra,
reduzir impostos.
Muita gente acha que basta eliminar a corrupção e lucros excessivos
das empresas para que todos os objetivos sejam alcançados. Infelizmente
não é assim. Há corrupção, certamente, e deve haver gorduras em muitas
tarifas de diversos setores, mas o problema maior é a falta de
investimentos e de produtividade. Ou seja, é preciso colocar dinheiro
novo em todo o setor de infraestrutura.
O governo federal e muitos estaduais decidiram-se pelas privatizações
exatamente em busca de capital e eficiência. Mas é claro que o setor
privado vai agora pensar muito antes de entrar em qualquer negócio,
considerando a pressão popular e política contras as tarifas ─ a receita
do setor.
Eis a difícil situação em que estamos nos metendo. As pessoas estão
certas na sua bronca: pagam caro (nas tarifas e nos impostos) por
serviços ruins. Não aconteceu por acaso, mas por anos de gestão pública
ruim — com gastos elevados em custeio, pessoal e previdência e muito
baixos em investimentos, sem abertura de espaço para o investimento
privado.
Acrescente a inflação que o governo federal deixou escapar e, para o
problema ficar completo, só falta o festival de gastos que o Congresso
está preparando. Derrubar tarifas é politicamente inevitável. Mas do
jeito que está sendo feito, vai levar a mais déficit público, juros
maiores, mais inflação e menos crescimento. Ou seja, a conta vai de novo
para o povo
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