Do Ricardo Noblat
Por que Lula, no segundo semestre de 2006, ouviu sem estranhar o senador Delcídio Amaral (PT-MS) dizer que o publicitário mineiro Marcos Valério queria dinheiro para não contar o que sabia sobre o mensalão – esquema de pagamento de propinas a deputados federais para que votassem como mandava o governo?
E, além de não estranhar, por que ainda perguntou assim a Delcídio: “Você falou com Okamotto?”
Lula estava no seu gabinete de presidente da República no terceiro andar do Palácio do Planalto. Delcídio respondeu que não falara com Okamoto. Lula mais não disse e nem Delcídio lhe perguntou.
Paulo Okamotto era uma espécie de tesoureiro informal da família Lula. Hoje, é o presidente do Instituto Lula, local de despacho do ex-presidente em São Paulo.
Quer saber se Okamotto socorreu Valério, um dos operadores do mensalão junto com Delúbio Soares, na época tesoureiro do PT?
Okamotto admite que Valério procurou-o mais de uma vez ao longo da crise do mensalão, mas nega que o ajudou.
Quanto a Lula… Nos últimos 10 anos se acumularam perguntas que nunca lhe fizeram, e outras às quais ele deu um jeito de não responder.
Hoje, Lula repete que o mensalão jamais existiu. Tudo não passou de uma invenção da direita para destruir seu governo. No máximo, reconhece que o PT cometeu crime de Caixa 2 – o uso de dinheiro ilegal para pagar despesas de campanha.
Com a maioria dos seus ministros nomeada por Lula, o Supremo Tribunal Federal confirmou que o mensalão existiu, sim. Não foi Caixa 2.
Deve ter doído em Lula a feliz observação da ministra Cármen Lúcia:
- Acho estranho e grave que uma pessoa diga ‘houve Caixa 2′. Ora, Caixa 2 é crime, é uma agressão à sociedade brasileira. E isso não é pouco. Parece-me grave, porque parece que ilícito no Brasil pode ser realizado e tudo bem.
Pensando melhor, retifico: a observação da ministra não deve ter doído em Lula. Doeria em alguém inocente.
Lula sempre posou de inocente. E para convencer disso os brasileiros, convocou uma cadeia nacional de rádio e de televisão e pediu desculpas pelo o que outros fizeram. Que outros?
Não os identificou. Limitou-se a chamá-los de “traidores”. Ora, se mais tarde passou a tratar o mensalão como uma “farsa” por que Lula se desculparia por ele? Não faz o menor sentido.
De resto, estrelas de primeira grandeza do PT sempre comentaram que nada, nada mesmo de relevante que ocorresse dentro do partido escaparia à atenção de Lula, um centralizador por método, um autoritário por temperamento.
Escaparia logo um esquema ambicioso de compra de votos de deputados federais e de apoios de partidos? Algo que envolveu tanta gente ligada a Lula e que movimentou tanto dinheiro? Absurdo!
Por diversas vezes, advertiram Lula sobre a compra de votos de deputados. A primeira advertência foi do jornalista Carlos Chagas em sua coluna de 28 de fevereiro de 2004 publicada na “Tribuna da Imprensa”.
Ex-diretor de “O Estado de S. Paulo” em Brasília, Chagas antecipou quase tudo o que Roberto Jefferson (PTB) só denunciaria dali a 16 meses.
Entregou a dupla Delúbio-Valério. Entregou a agência de Valério, amparada por contratos com órgãos públicos no valor aproximado de R$ 150 milhões.
E contou que Belo Horizonte funcionava como “uma espécie de caixa central do PT”, no caso “até servindo a outros partidos como o PP, PL e PTB, cujos emissários não raro deixam o aeroporto da Pampulha com malas recheadas, em espécie”.
Lula não leu a coluna de Chagas? Ninguém com acesso a Lula leu? Ninguém com acesso a quem tinha acesso a Lula leu?
Ninguém achou que Lula deveria saber o que Chagas sabia com detalhes? Não era relevante?
A coluna de Chagas ficou de fora do clipping que a Secretaria de Comunicação da presidência da República produzia diariamente para leitura do primeiro escalão do governo?
Os órgãos de informação do governo não assinavam a “Tribuna da Imprensa”? Nem o “Jornal do Brasil”?
Porque em 24 de setembro de 2004, o JB foi o primeiro jornal a falar em “mensalão”. Sim, mensalão com todas as letras.
Em janeiro de 2005, Jefferson esteve com Lula e também falou. Em março, esteve de novo e voltou a falar.
O então governador de Goiás, Marcone Perillo (PSDB), avisou a Lula que o PT oferecia dinheiro para parlamentares trocarem de partido. Lula ouviu em silêncio.
Afinal, em junho, Jefferson detonou o escândalo.
Por que a inércia de Lula só foi quebrada quando o mensalão se tornou um assunto público?
Ele tinha esperança de que não se tornasse? Ele avaliou mal?
Lula foi leniente com os mensaleiros? Ou foi cúmplice?
Quem mais do que ele se beneficiou com a compra de apoios ao governo?
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