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Joyce Carvalho, MassaNews
Um paciente com “problemas neurológicos” – conforme indicação da
Secretaria de Saúde de Curitiba – está há meses na unidade de pronto
atendimento da Cidade Industrial de Curitiba. O homem, de 59 anos, foi
flagrado por uma pessoa no chão de uma das salas da unidade, em um
momento de crise. O coordenador de logística Kleber Siqueira, que
presenciou a cena, comentou que as pessoas que estavam próximas ficaram
impressionadas e não sabiam como ajudar o paciente.
“Ele ficou neste quadro de cinco a sete minutos, mas foi o suficiente
para assustar. Havia outros pacientes no mesmo espaço, passando por
situações diferentes. Chamamos uma enfermeira e depois de algum tempo
apareceu profissionais para o acolhimento do senhor”, relata. Kleber
produziu um vídeo sobre a situação no mês de maio.
Segundo a Secretaria de Saúde, este é um caso diferenciado porque há a
união de problemas neurológicos com uma questão social. O paciente fez
um atendimento na UPA da CIC e a instituição que anteriormente o
abrigava informou que não tinha mais condições de fazer isto por conta
da situação do paciente, que às vezes apresenta um comportamento
agressivo. “O paciente não tem problemas psiquiátricos, mas sim
neurológicos. Consumiu álcool por muitos anos e isto desencadeou
problemas em sua saúde física. É uma junção de problemas clínicos e
neurológicos”, conta Carmem Ribeiro, chefe de gabinete da secretaria.
De acordo com ela, o paciente não tem família e, por isto, o caso
ganha um componente social. A secretaria vem tentando uma instituição
que tenha as condições para acolher o homem. No entanto, segundo Carmem,
estão existindo uma série de dificuldades para isto. “O caso também
está sendo acompanhado pela Fundação de Ação Social e o Ministério
Público”, afirma.
Repercussão
Apesar de ser considerada como uma situação atípica pelo órgão
público, o caso acende uma discussão em torno do acolhimento de
pacientes com problemas de saúde mental que necessitam de uma
assistência mais intensiva e prolongada. O homem em questão, por sofrer
consequências do abuso do álcool, pode ser considerado um paciente de
saúde mental, mesmo que atualmente não faça uso da substância. Ou seja,
ele tem um problema de saúde mental que ocasionou problemas
neurológicos. Além disto, ele possui episódios de agressividade.
A partir de 2001, com a lei federal 10.216, que determinou a reforma
psiquiátrica, houve a redução considerável de leitos em hospitais
especializados e a aplicação de outras formas de atendimento, como os
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). “Estamos em uma estrutura
caótica. Nos últimos anos foram desativados leitos psiquiátricos e as
estruturas que a lei determinou para as suas substituições não foram
abertas de maneira efetiva. Não foram abertos leitos em hospitais
gerais, como a lei estabelece, por exemplo”, comenta o presidente da
Associação Paranaense de Psiquiatria, André Rotta Burkiewicz.
De acordo com ele, o foco foi a extinção dos leitos em hospitais com
estrutura manicomiais, mas “não se falou em fechamento de todos os
leitos”. “Nos últimos 10 anos, o Ministério da Saúde fechou leitos
sistematicamente. Existe uma grande dificuldade de acolhimento para quem
depende do Sistema Único de Saúde (SUS). A UPA ou as unidades de saúde
não possuem profissionais qualificados para avaliar estes pacientes de
maneira correta”, salienta. Burkiewicz conta quer os CAPS atenderiam
pacientes em situações consideradas de moderadas a graves. Mas há casos
de pacientes graves que precisam de internamento e os CAPS não conseguem
absorver este tipo de caso.
Para o médico psiquiatra Dagoberto Hungria Requião, professor da
cadeira de psiquiatria no curso de Medicina da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná, a reforma psiquiátrica foi fruto de uma ideologia e
resultou no atendimento parcial das demandas dos pacientes de doenças
relacionadas à saúde mental, especialmente os casos graves que requerem
atendimento em hospital com uma equipe multidisciplinar.
Os dois especialistas não veem uma solução a curto prazo para o
atendimento de casos graves e que demandam internamento prolongado.
A diretora do departamento de saúde mental da Secretaria Municipal de
Saúde, Luciana Savaris, afirma que a reforma psiquiátrica agregou
outros dispositivos que não existiam antes de 2001. De acordo com ela,
Curitiba não deixou de ter leitos direcionados para casos de saúde
mental e ainda foi somado o atendimento de 12 CAPS, voltados – entre
outras finalidades -, para transtornos mentais e transtornos em
decorrência do uso de substâncias psicoativas.
Nestas unidades, o atendimento acontece de maneira voluntária.
Atualmente, o município conta com 64 leitos em sete unidades do CAPS e
os hospitais compõem a rede de atendimento, principalmente o Hospital
Bom Retiro e a Clínica Elio Rotenberg. A central de leitos do estado
também pode ser acionada.
De acordo com Luciana, a cidade tem como atender a demanda deste
setor. “Quem precisa de ajuda deve buscar uma unidade de saúde ou um
CAPS, que possuem equipes de acolhimento”, indica. Ela lembra que
qualquer pessoa pode atravessar por momentos com incidência de situações
ligadas à saúde mental, independentemente da existência de transtornos
mentais