segunda-feira, 14 de abril de 2014

Tribunal tem R$ 830 milhões para pagar precatórios, mas não quita débitos em função de questionamento jurídico

Gazeta do Povo



Impasse em pagamento de dívidas aumenta sofrimento de famílias



O ano era 1963. O Brasil ainda vivia a fase prévia ao golpe militar e tinha um primeiro-ministro. Dionisio Grabowzki, então funcionário do Instituto de Biologia e Pesquisa Tecnológica do Paraná (IBPT), atual Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), juntamente com outros servidores, ingressou na Justiça contra o estado para reivindicar isonomia de promoção no emprego, já que o benefício havia sido concedido a outros funcionários da instituição.
Em 1993, um ano após a ação ter sido reconhecida pela Justiça, Dionisio faleceu. Como herança para a esposa, Cilina de Barros Grabowzki, hoje com 93 anos, e para os três filhos, deixou um precatório de aproximadamente R$ 150 mil. Mas até hoje, mais de 50 anos depois da entrada do processo na Justiça, a família não viu a cor do dinheiro. “Até o advogado inicial da causa já morreu”, conta um dos filhos, o professor aposentado Dionisio.
Jonathan Campos/ Gazeta do Povo
Jonathan Campos/ Gazeta do Povo / João Abrão: doente de Parkinson espera pagamento
João Abrão: doente de Parkinson espera pagamento
Justiça federal
Precatórios da União são mais rápidos, mas também têm problemas
Apesar de os pagamentos da União serem feitos de forma mais organizada e transparente, relatos de credores mostram que o dinheiro devido por essa fonte também demora a sair. “O nosso santo dinheirinho está retido enquanto os corruptos estão roubando”, desabafa o bancário aposentado João Abrão Filho, que espera um precatório da União no valor de aproximadamente R$ 140 mil desde novembro de 2012.
A situação de Abrão não seria tão grave se ele não contasse com o dinheiro para ajudar no tratamento da doença de Parkinson, com a qual foi diagnosticado há 22 anos. O quadro se agravou há cinco anos, quando ele se viu obrigado a pedir a aposentadoria. “Tive que entrar nesse processo triste e danoso no Brasil que é a previdência social”, diz.
Segundo o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4), responsável pelo repasse da verba de dívidas da União com credores do Paraná, Abrão deve receber o dinheiro no próximo mês de novembro, dois anos após ter o precatório reconhecido na Justiça. Mesmo assim, o aposentado não se mostra satisfeito. “Como é um precatório de natureza alimentar, tinha que ser repassado de imediato, porque é de algo a que você tinha direito e te tiraram”.
Ainda segundo o TRF4, conforme determina a Constituição, em 2014 serão pagos os precatórios recebidos pelo Tribunal entre julho de 2012 e julho de 2013. São cerca de 5,7 mil precatórios provenientes das varas federais e estaduais com repasse de competência do órgão, que totalizaram, em julho de 2013, R$ 346,5 milhões – valor não corrigido.
A história da família Grabowzki é uma das tantas por trás dos cerca de R$ 830 milhões que o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) tem em caixa para pagar os precatórios – dívidas do estado reconhecidas definitivamente pela Justiça. Conforme a assessoria do órgão, somente estão sendo pagos créditos de pequeno valor de pessoas com mais de 60 anos e portadores de doença grave. Valores maiores estão parados em razão de um questionamento jurídico.
Imbróglio
A fila de pagamentos vinha sendo elaborada pela Secretaria de Estado da Fazenda, mas a empreiteira CR Almeida, que possui cinco precatórios para receber, somando R$ 300 milhões em créditos, apresentou um questionamento, em 2011, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre essa ordem. A empreiteira alega que o tribunal paranaense não cumpre a resolução do conselho que trata da gestão de precatórios no âmbito do Poder Judiciário e a Constituição Federal – que determinam que sejam pagas as dívidas em ordem cronológica.
Diante do questionamento, o CNJ determinou, em abril do ano passado, que o tribunal paranaense refizesse a lista de credores de precatórios e que pagasse as dívidas respeitando o critério de ordem cronológica. Porém, o estado do Paraná entrou em outubro com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal pedindo que fosse mantida a fila de pagamento estabelecida pela pasta da Fazenda. A ação está nas mãos da ministra Rosa Weber, mas como ainda não há decisão definitiva, o TJ não tem efetivado a liquidação das dívidas maiores.
Credores se sentem vítimas da demora e de desrespeito
Além da demora em receber, os credores do estado reclamam da falta de informações sobre os processos e a fila de pagamento de precatórios, tanto por parte do governo, quando do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), responsável pelo recolhimento e repasse da verba. “Toda hora o governo muda a regra colocando várias dificuldades”, conta o aposentado Waldir Mattos, que espera receber um precatório no valor de cerca de R$ 600 mil, reconhecido pela Justiça há 12 anos. A dívida era a favor do pai dele, o então delegado Hermes Machado Mattos, que, como tantos outros credores, faleceu na fila de espera.
“O pior de tudo é que você é maltratado. Pedi uma certidão do precatório no TJ que demorou dez meses para chegar”, conta o advogado Paulo Henrique Demchuk, que desde 1999 aguarda o recebimento de uma dívida do governo do estado com a sua avó, Alba Rocha Loures. “O Brasil vive um sistema medieval de pagamento [de precatórios]. Ao invés de tratar todos como iguais, o estado se prevalece com uma superioridade inexistente”, opina. A ação coletiva, com cerca de cem autores e que soma aproximadamente R$ 10 milhões, foi ajuizada por professores da rede estadual em 1970. O neto nem lembra mais o motivo da condenação.
Como Alba faleceu há seis anos, o precatório da professora passou para os três filhos dela, o que acarretou em um novo obstáculo para o recebimento: uma nova ação que contesta a incidência de tributos para os novos credores. “Quando os credores falecem, os herdeiros têm que substituir o autor na ação. Mas a postura do estado é tão mal concebida que ele quer cobrar tributos sobre a cessão dos créditos, ou seja, sobre uma coisa que ele mesmo causou, que é a demora nos pagamentos”, diz Demchuk.

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