Vanderlei José Vianna
A liberdade religiosa é um direito humano básico assegurado pelas constituições das nações democráticas. Em artigo publicado pelo Correio Braziliense em 17 de fevereiro, o vice-presidente da República, Michel Temer, enalteceu a liberdade de religião desfrutada no Brasil. Ele citou levantamento feito em 25 países de todos os continentes pela fundação norte-americana Religious Freedom & Business Foundation, que aponta o Brasil na liderança do ranking de países com o índice mais baixo de restrição religiosa. “Somos a nação campeã em matéria de liberdade religiosa, posição garantida em nossa Carta Magna”, comemorou o vice-presidente.De fato, a liberdade religiosa, assim como o direito à liberdade de informação e expressão, é uma conquista da sociedade brasileira e a Constituição de 1988 cimentou a separação entre Igreja e Estado como nenhuma outra antes. Ocorre que, diferentemente do que pensam alguns, a Carta Maior não construiu um muro instransponível entre religião e Estado.
Nos exatos termos do artigo 19 da Constituiçõ Federal, “é vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
Muitos deixam de observar a ressalva do artigo 19: a Constituição brasileira não vedou a colaboração entre Igreja e Estado, desde que cada um não sofra interferências ou embaraços. Há que se notar, entretanto, que a eventual colaboração esteja firmada “na forma da lei”. A Carta Maior não fechou os olhos para o importante papel da religião na vida da comunidade.
Thomas Jefferson foi o primeiro a utilizar o termo “muro de separação entre Igreja e estado”, em 1802, no sentido de se preservar a independência tanto do Estado como da religião. Nunca foi seu pensamento que um não pudesse dialogar com o outro ou agir em áreas comuns de interesse. No entanto, ainda hoje, alguns são defensores do “muro intransponível”. Desconhecem o verdadeiro princípio da laicidade do Estado, confundindo Estado laico com Estado ateu e hostil às religiões.
É impossível desconhecer o papel relevante da religião no Brasil, sobretudo no terceiro setor. Na área educacional, por exemplo, é impossível ignorar o relevante papel das escolas confessionais. A Associação Nacional de Educação Católica do Brasil (Anec) e a Associação Brasileira de Instituições Educacionais Evangélicas (Abiee) calculam que perto de 4 milhões de alunos no Brasil estudam em escolas de caráter confessional e faculdades, sejam católicas, adventistas, batistas, luteranas, espíritas, judaicas, entre outras. Elas concedem perto de 1 milhão de bolsas de estudos.
Na área da saúde, no país, atuam mais de 2.100 hospitais filantrópicos e santas casas de misericórdia. A maioria tem como mantenedores uma entidade religiosa, que lhes dá suporte e aponta sua visão e missão, pois é do seu carisma e DNA. Isso, sem contar as inúmeras entidades de assistência social, como creches, lares de idosos, casas de recuperação de drogados, entre outros.
Mais da metade dos atendimentos hospitalares do SUS são realizados por meio dessas instituições de saúde, segundo dados da Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB), a maior rede hospitalar do Brasil.
Essas entidades possuem — “na forma da lei” — inúmeras parcerias com o Estado (União, estados, Distrito Federal e municípios) em colaboração saudável para o interesse público. No entanto, a democracia deve ficar alerta para inúmeras iniciativas baseadas na visão distorcida do “muro instransponível” que podem criar embaraços para o funcionamento das entidades de caráter religioso, uma vez que centenas e centenas de projetos de leis tramitando no Congresso Nacional possuem nítido viés ideológico e anticlerical que resultarão em ofensa à saudável liberdade de religião até agora desfrutada pelo país.
A democracia não pode deixar de garantir a plena liberdade de religião admirada por outras nações do planeta, que é importante, inclusive, para os negócios e para o desenvolvimento social. Como Thomas
Jefferson, temos de insistir no lema por ele proclamado: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”.
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